Eventos agudos em saúde mental

Alterações de comportamento

Créditos

Introdução

O comportamento, segundo a psicologia, é o conjunto de procedimentos ou reações do indivíduo frente ao ambiente que o cerca em determinadas circunstâncias.

As alterações de comportamento correspondem a um conjunto de condutas e atitudes que se desviam do padrão da normalidade. Assim, entende-se por alteração a modificação acentuada de determinadas manifestações comportamentais conforme a cultura local.

Em emergências psiquiátricas, as alterações de comportamento indicam que a pessoa está experimentando, em algum nível, estado de desequilíbrio emocional. Esse desequilíbrio pode ser decorrente de um transtorno psiquiátrico ou apenas uma reação temporária do indivíduo a situações estressoras.

Importante salientar que alterações de comportamento não indicam necessariamente a presença de um transtorno mental.

Por definição, considera-se urgência psiquiátrica qualquer alteração emocional ou comportamental de um indivíduo que possa produzir danos a si mesmo ou a outros, a qual necessite de uma intervenção rápida e eficaz pela equipe de saúde a fim de aliviar a situação e proceder o encaminhamento necessário.

Ações Preventivas

Na emergência psiquiátrica, as ações em saúde têm a finalidade de avaliar imediatamente o contexto e prestar cuidado na condição física e subjetiva da pessoa e prevenir dano nas relações de vínculo dela.

O cuidado baseia-se na continência, ou seja, acolhimento, escuta, diálogo, e pela continência, no sentido de contenção física ou químico-medicamentosa.

A prevenção nesse campo é algo complexo devido a cada ser humano ser único, possuir sua história, seu modo de existir e viver.

Podemos indicar três níveis de prevenção de acordo com Scóz (2001):

Em síntese, a prevenção nas emergências psiquiátricas estão correlacionadas na prevenção primária, que se relaciona ao indivíduo; na secundária, que é a forma como os serviços se organizam; e na prevenção terciária, que é o meio pela qual a comunidade lida com essa especificidade.

Conceito

As alterações de comportamento decorrentes de transtornos psiquiátricos geralmente ocorrem em meio à confusão mental do usuário, dificultando a avaliação do profissional, que deverá complementar as informações com os relatos de familiares ou acompanhantes.

A verificação de situação similar ocorrida anteriormente pode contribuir para a resolução do atendimento, em termos diagnósticos e terapêuticos.

A literatura (SADOCK; SADOCK, 2007) oferece algumas estratégias gerais que contribuem para a avaliação do indivíduo, como:

Classificação

- Quadros psicóticos agudos

Os quadros psicóticos agudos correspondem a situações de início abrupto que podem estar associadas ao primeiro surto de transtorno esquizofrênico ou sua reagudização.

Outros transtornos psiquiátricos que podem apresentar situações psicóticas são:

  • transtornos psiquiátricos orgânicos,

  • mania,

  • depressão agitada,

  • síndrome de abstinência ao álcool ou outros depressores do sistema nervoso central, e

  • abuso de substâncias psicoativas como anfetaminas, supressores do apetite, alucinógenos e cocaína (NUNES FILHO; BUENO; NARDI, 2005).

A administração de antipsicóticos é considerada segura, principalmente quando administradas por curtos períodos de tempo. Em situações de emergência exclui-se apenas a utilização de clozapina.

- Transtornos de ansiedade

Os transtornos de ansiedade representam as condições psiquiátricas mais prevalentes em diversos países. As demandas produzidas por esses transtornos têm impactado consideravelmente os serviços e as equipes de saúde.

Em situações de emergência, as condições mais comuns são a ansiedade aguda generalizada, os ataques de pânico, o transtorno de estresse pós-traumático e as fobias específicas e social (NUNES FILHO, BUENO, NARDI, 2005; SADOCK, SADOCK, 2007).

De maneira geral, em todos esses estados os usuários experimentam a ansiedade a partir da percepção do estar nervoso ou assustado e das sensações fisiológicas, como palpitações, sudorese e falta de ar. A ansiedade afeta o pensamento e a percepção do tempo e do espaço, das pessoas e dos significados dos acontecimentos.

Vejamos o que acontece no transtorno de ansiedade generalizada e nos ataques de pânico:

- Quadros depressivos

Os quadros depressivos são menos comuns em atendimento de emergência. Quando ocorrem, geralmente estão relacionados ao estupor melancólico e à agitação psicomotora.

Vejamos abaixo:

Avaliação Diagnóstica

Em situações emergenciais, a avaliação é realizada considerando-se a limitação de tempo imposto pela demanda de atendimentos e a necessidade de urgência em avaliar o risco para o usuário e terceiros.

O primeiro passo do atendimento é a recepção, geralmente realizada pela equipe de enfermagem. Essa recepção deve incluir acolhimento, aceitação e aprovação, ou seja, receber essa pessoa tendo por base os aspectos humanos, emocionais e sociais da assistência, criando um ambiente agradável e acolhedor.

Na primeira entrevista, considera-se mais importante o estabelecimento de um espaço terapêutico do que um diagnóstico preciso. A condição mental do usuário pode dificultar o levantamento das informações, para o qual deve-se investir na qualidade da relação profissional-paciente, cujas implicações são fundamentais para o tratamento e o curso da doença.

O estabelecimento do vínculo requer uma atitude empática do profissional. A imposição de pontos de vista e o julgamento que determinam o que é certo e errado demonstram profundo desrespeito pela pessoa em atendimento.

Para relacionar-se com o usuário de maneira empática, deve-se adentrar no mundo do sujeito, evitando apreciações e julgamentos mediante valores e crenças pessoais. Ouvir atentamente, para captar as mensagens emitidas através das comunicações verbais e não verbais, a partir do significado que a pessoa atribui e do entendimento que ela tem da realidade.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial em estados psicóticos agudos envolvem sintomas de agitação e ansiedades intensas onde a pessoa não se concentra e sente-se irritada constantemente. Aparecem delírios e às vezes alucinações principalmente auditivas com vozes que tornam insuportáveis para manter sono, alimentação e atividades cotidianas.

A pessoa sente medo por vivenciar o desconhecido e expressa-se em intensa inquietude. O discurso apresenta-se sem lógica para quem observa, mas é uma tentativa de organização subjetiva da pessoa em meio ao caos.

De acordo com a OMS (1998), os transtornos psicóticos agudos apresentam queixas como:

  • alucinações auditivas;

  • crenças e medos estranhos;

  • confusão mental; e

  • apreensão.


O diagnóstico diferencial em estados psicóticos agudos excluem: epilepsia, intoxicação ou abstinência por drogas ou álcool, doença infecciosa ou febril.


O diagnóstico diferencial em ansiedade se dá a partir de um estado de humor desconfortável e uma apreensão negativa em relação ao futuro, que gera uma inquietação interna desagradável que provoca desassossego.


Os aspectos diagnósticos incluem humor deprimido, perda de interesse e falta de prazer nas ações rotineiras da vida. O sono perturbado, alteração de apetite, culpa, perda da autoconfiança, pensamento suicida, dificuldade de concentração são sintomas presentes. O diagnóstico diferencial envolve a exclusão de alucinações e delírios, euforias, uso de álcool e drogas e utilização de medicamentos.

Abordagem Inicial

Podemos dizer que a emergência é “[...] um conjunto de interesses afetivos e práticos contrastantes, onde o paciente e sua crise é uma parte e não toda a totalidade” (SARACENO; ASIOLI; TOGNONI,1994, p. 55).

Logo, o acolhimento é o recurso transversal nas abordagens a essas especifidades, deve ser levado em consideração por toda a equipe juntamente com a história que envolve a pessoa.

Veja como pode ser o acolhimento do usuário do SUS que chega a uma Unidade de Saúde.

O manejo considera o usuário, a família e a equipe.

Nos estados psicóticos agudos, em que pese os sintomas supracitados, a abordagem é de compreender e aceitar a experiência subjetiva da pessoa. É importante ter uma atitude afetiva de ter calma, escuta e de fazer perguntas que direcionem a compreensão da vivência da pessoa.

A utilização de medicamentos, segundo a OMS (1998, p. 31), prioriza os antipsicóticos ou neurolépticos para reduzir os sintomas psicóticos. Observa-se que a dose deve ser a mais baixa possível e ser monitorada por toda a equipe interdisciplinar.

Em casos de agitação intensa, os benzoadizepínicos podem ser administrados em conjunto. A medicação antipsicótica deve ser contínua pelo menos três meses ou até o alívio dos sintomas. É necessário o monitoramento dos efeitos colaterais dos medicamentos como os espasmos musculares, inquietação motora e tremores constantes. Neste caso, pode ser utilizado medicamentos antiparkinsonianos.

Em estados de ansiedade, os cuidados envolvem uma escuta que apazigue a pessoa, utilizar métodos que relaxem e reduzem os sintomas físicos apresentados, dialogar sobre envolvimento da pessoa em projetos que ofereçam prazer. Identificar preocupações e construir um plano de cuidado baseado no indivíduo.

A terapêutica medicamentosa, conforme OMS (1998, p. 41), envolve o uso de benzoadizepínicos, mas não pode ser utilizada por não mais de duas semanas, pois pode levar à dependência.

É recomendável que as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) discutam com os profissionais do Núcleo de Apoio em Saúde da Família (NASF) os casos que demandarem conhecimentos que não dispõem, assim como na elaboração do Projeto Terapêutico Singular e seu devido acompanhamento.

Atendimento Sequencial

De acordo com a Lei n. 10.216 (BRASIL, 2001) em seu art. 2o parágrafo único são direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades.

Assim, o primeiro passo nas discussões e ações em saúde na lógica das Redes de Atenção, em que pese o acesso e a integralidade, estas devem priorizar o modelo de gestão na organização dos serviços, e na pactuação do fluxo de atendimento e da organização do trabalho na e em Rede.

Em se tratando dos níveis de complexidade na especificidade da saúde mental e psiquiatria, a Portaria n. 3.088 (BRASIL, 2011), que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde, é a diretriz legal para estabelecer linhas de cuidado no campo da saúde mental.

De acordo com o art. 5º da referida portaria (BRASIL, 2011, p .4) a Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos seguintes componentes: I - Atenção Básica em Saúde; II - Atenção Psicossocial Especializada; III - Atenção de Urgência e Emergência; IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório; V - Atenção Hospitalar; VI - Estratégias de Desinstitucionalização; e VII- Reabilitação Psicossocial.

A Rede é formada por componentes e estes são compostos por pontos de atenção.

Conforme o art. 6º da Portaria n. 3.088 (BRASIL, 2011, p. 5-10), são pontos de atenção:


a) Unidade Básica de Saúde;

b) Equipes de Atenção Básica para populações em situações específicas: - Equipe de Consultório na Rua, - Equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório;

c) Centro de Convivência - é unidade pública, articulado às Redes De Atenção à Saúde, em especial à Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população em geral espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e na cidade. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

Assim, na mesma via, é possível construir mecanismos de atenção para estabelecer estratégias de intervenção em rede.

Figura1 - Condições para estabelecer uma intervenção.
Fonte: Saraceno, Asioli e Tognoni (1994, p. 23).

Logo, as estratégias para direcionar as intervenções de cuidado devem priorizar o estebelecimento de um Projeto Terapêutico Singular (PTS).

O PTS é um recurso da clínica ampliada e da humanização em saúde e é uma prática de saúde coletiva que objetiva conferir autonomia, liberdade e cuidar estrategicamente das pessoas em sofrimento psíquico grave. Sua elaboração consiste em abordagem psicossocial e familiar, abordagem clínica e farmacológica, apoio do sistema de saúde e rede comunitária, sendo construído e avaliado em equipe (CHIAVERINI, 2011).

Indicação de encaminhamento e monitoramento

As internações são recursos de última instância e geralmente é indicado quando a pessoa coloca sua vida em risco e das pessoas que estão envolvidas em seu entorno. Entretanto, salvo as avaliações técnicas, as decisões em equipe devem estar em consonância com a Lei n. 10.216 (BRASIL, 2001):

Toda internação deve ser amplamente discutida entre equipe e usuário do SUS, família e ser devidamente acompanhada pelos profissionais da Rede de Atenção psicossocial.

Cuidados pós evento agudo no domicilio e na comunidade

As alterações de comportamento observadas em usuários que chegam para atendimento em serviços de saúde podem estar relacionadas a diversos quadros patológicos. Tais alterações podem estar associadas a casos de risco de vida, como no suicídio ou em indivíduos violentos, ou ainda situação de alteração nas condições mentais decorrente do uso de drogas, que, quando revertidas em curto espaço de tempo, tem-se melhor perspectiva de prognóstico.

Ressalta-se que o DSM-IV enfatiza que comportamentos que diferem dos padrões (políticos, religiosos ou sexuais) ou conflitos entre o indivíduo e a sociedade não são considerados transtornos mentais.

Fechamento

Caro aluno!

Nesta etapa de aprendizado abordamos as principais alterações do comportamento e destacamos os estados psicóticos agudos, ansiedade e depressão. Esses conceitos se originam de diferentes abordagens teóricas que determinam sua classificação. A organização Mundial da Saúde através do CID 10 é o que prevalece no campo dos diagnósticos descritivos em psiquiatria e saúde mental. O cuidado a pessoa em sofrimento psíquico grave segue a lógica da oferta das ações e serviços através da Rede de Atenção Psicossocial, onde o acolhimento e o Projeto Terapêutico Singular são elementos organizadores desse cuidado.

Lembre-se de que pode consultar este material sempre que necessário e aproveite para aprofundar seus conhecimentos. Bom aprendizado!

 

Edilaine Cristina da Silva Gherardi-Donato


Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 3.088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2011. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/111276-3088.html. Acesso em: 05/02/2013

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 10.216 de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.html. Acesso em: 05/02/2013.

CAMPOS, P. J. O manejo das crises e a rede: o lugar do CAPS III. Seminário Nacional para Avançar a Reforma Psiquiátrica: construindo uma agenda positiva. Brasília: Conselho Federal de Psicologia; 2007. p. 97-112.(5).

CHIAVERINI, D.H. (Organizadora) et al. Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília, DF: Ministério da Saúde: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011.

LARKIN, G.L.; CLAASSEN, C.A.; EMOND, J.A.; PELLETIER, A.J.; CAMARGO, C.A. Trends in U.S. emergency department visits for mental health conditions, 1992 to 2001. Psychiatr Serv. 2005;56(6):671-7.

NUNES FILHO, E.P.; BUENO J.R.; NARDI, A.E. Psiquiatria e saúde mental: conceitos clínicos e terapêuticos fundamentais. São Paulo: Editora Atheneu, 2005.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). CID 10 – Diretrizes diagnósticas e de tratamento para transtornos mentais em cuidados primários. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SARACENO, B.; ASIOLI, F.; TOGNONI, G. Manual de saúde mental. São Paulo, Hucitec, 1994.

SCÓZ, T.M.X. Suporte Interpessoal de Enfermagem: alternativa metodológica no atendimento às pessoas em situações de crise. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001.

SADOCK, B.J.; SADOCK, V.A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artmed, 2007.


Autora

Edilaine Cristina da Silva Gherardi-Donato

Possui graduação em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP (2002), mestrado em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP (2004), doutorado em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP (2007) e Pós-Doutorado pela University of Alberta no Canadá. É professora doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP desde 2007. Coordenadora de Projetos sobre estresse e teatro, atuando nas seguintes Linhas de Pesquisa: Promoção de Saúde Mental e Uso e Abuso de Álcool e Drogas. É presidente do Capítulo Rho Upsilon da Sociedade Honorífica Sigma Theta Tau International (2010-2012) e Editora Associada das Revistas Saúde & Transformação Social e SMAD.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4967482631977427