. Problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas

Eventos agudos em saúde mental

Problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas

Créditos

Introdução

O consumo de bebidas alcoólicas e de outras substâncias psicoativas é apontado como um importante problema de saúde pública atual. Por isso, profissionais de saúde dos níveis de atenção primária, secundária e terciária são solicitados a oferecer cuidados relacionados a esse consumo, mesmo que não seja explícita a relação entre a queixa clínica do indivíduo e o uso dessas substâncias.

Apesar de os problemas relacionados ao consumo de substâncias ilícitas aparecerem na mídia a todo o momento, o consumo de bebidas alcoólicas ainda representa o principal problema.

Percebe-se, portanto, que o álcool é a substância mais consumida, sendo os problemas relacionados a esse consumo os mais prevalentes nos serviços de saúde.

Ações Preventivas

Devido à complexidade da temática do uso de substâncias psicoativas, as ações de prevenção são fundamentais na prática dos serviços de saúde. A seguir, descrevemos as principais ações preventivas para subsidiar seu enfoque durante o trabalho (BRASIL, 2011a):

Modelos de prevenção

A abordagem na temática das substâncias psicoativas é permeada por diversos modelos possíveis, que devem ser evocados conforme sua pertinência a cada grupo. A seguir, descrevemos os principais modelos de abordagem à disposição dos profissionais de saúde, sendo que para aplica-lo é necessário conhecer as especificidades da população-alvo e criar estratégias preventivas conforme a demanda (BRASIL, 2011a).

Modelo moral

Informa que as drogas lícitas ou ilícitas são prejudiciais à saúde. Exemplos: propagandas na televisão, como as das campanhas “Crack nem pensar” e “Drogas, diga não”.

Modelo de amedrontamento

Objetiva convencer mostrando apenas as consequências adversas do uso das drogas. Exemplos: campanha veiculada por meio das embalagens de cigarro.

Modelo de informação científica

Presta informações sem negar o prazer que a substância provoca.

Modelo afetivo

Visa aumentar a autoestima priorizando o vínculo.

Modelo de pressão de grupo positivo

Objetiva capacitar adolescentes de modo que eles se tornem monitores de um grupo e se responsabilizem por convencer os colegas a não utilizarem drogas.

Conceito

Existem diferentes padrões de consumo de substâncias e alguns deles podem trazer danos ao indivíduo, à família e à sociedade.

A 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) descreve os transtornos relacionados ao consumo de drogas, que diferem quanto à gravidade. São eles: a intoxicação aguda, o uso nocivo e a síndrome de dependência, que estudaremos com mais atenção.

Intoxicação aguda

Intoxicação é o consumo de substâncias em quantidades acima do tolerável para o organismo. No caso das bebidas alcoólicas, a intoxicação aguda também é conhecida como embriaguez.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1997, p. 313) descreve-a, na CID-10, da seguinte maneira: “Uma condição transitória seguindo-se a administração de álcool ou outra substância psicoativa, resultando em perturbações no nível de consciência, cognição, percepção, afeto ou comportamento ou outras funções ou respostas psicofisiológicas”.

Além disto, chama-se a atenção para o diagnóstico desta enfermidade, alertando que

esse deve ser um diagnóstico principal somente em casos onde a intoxicação ocorre sem que problemas mais persistentes relacionados ao uso de álcool ou drogas estejam concomitantemente presentes. Onde existem tais problemas, a precedência deve ser dada aos diagnósticos de uso nocivo, síndrome de dependência ou transtorno psicótico (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997, p.313).

A investigação do consumo recente de substâncias é importante, já que a intoxicação aguda dependerá também do tipo e da dose de droga utilizada, bem como de características individuais do usuário, como sua tolerância e possíveis problemas clínicos.

Uso nocivo

Síndrome de dependência

De acordo com o que se expõe na CID-10 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997), o diagnóstico da síndrome de dependência só deve ser realizado após uma avaliação clínica que identifique três ou mais dos seguintes critérios ocorridos em algum momento durante o ano anterior:

Classificação

As substâncias psicoativas podem ser divididas em três classes, de acordo com a ação no sistema nervoso central (SNC): depressoras, estimulantes ou perturbadoras. Vamos conhecer melhor as especificidades de cada uma a seguir.

Drogas depressoras do SNC

Estas substâncias agem como sedativas do SNC, portanto, tendem a levar à diminuição da atividade psicomotora, da ansiedade e da dor.

Evidenciaremos as substâncias depressoras mais comuns no Brasil e, por isso, mais prevalentes na rotina dos profissionais de saúde: álcool e inalantes.

a) ÁLCOOL

Os efeitos do álcool no SNC dependerão da sua concentração no sangue.

Doses muito altas podem levar ao estupor, hipotermia e convulsões. Em pessoas dependentes, os sinais de intoxicação podem não ser tão evidentes, já é comum o organismo desenvolver tolerância em relação ao álcool, o que redobra a necessidade de atenção por parte do profissional para identificação do quadro clínico.

Em pessoas menos tolerantes, concentrações muito altas de álcool no sangue podem tornar os reflexos deprimidos, causar depressão respiratória, hipotensão, hipotermia e até levar a morte. É importante destacar que nas mulheres a intoxicação geralmente ocorre com um número de doses menores que nos homens, já que elas têm maior quantidade de gordura no organismo, o que deixa mais lenta a metabolização do álcool.

O quadro a seguir traz informações sobre os níveis plasmáticos de álcool, os sinais e os sintomas relacionados e as condutas adequadas a cada nível. Na maioria das situações, o paciente é levado ao serviço após sofrer algum trauma, como quedas ou outros acidentes, que são consequências importantes da intoxicação por uso de álcool. A avaliação médica deve atentar também a problemas cardiológicos, pulmonares, gastrointestinais e hepáticos.

 

Quadro – Níveis plasmáticos de álcool (mg%), sintomatologia relacionada e condutas.
Fonte: Marques; Ribeiro (2003).

b) INALANTES

O grupo dos inalantes inclui diversas substâncias que são aspiradas a fim de alterar o estado mental.

c) BENZODIAZEPÍNICOS

Os Benzodiazepínicos são medicamentos utilizados para deprimir o Sistema Nervoso Central (SNC), tendo ampla utilização no tratamento da ansiedade e insônia. Reduzem a ansiedade, provocam sedação, relaxamento muscular, amnésia anterógrada e efeito anticonvulsivante. Rang e Dale (2007) apontam que é um dos fármacos mais prescritos no mundo, até mesmo por que são considerados eficazes, seguros e com bom índice terapêutico. Trata-se de um grupo que possui interação com os receptores acido Gama-aminobutíricos (GABA). Apresenta alta lipossolubilidade e meia-vida grande, a exemplo do Diazepam, cuja dosagem de 5mg apresenta uma meia-vida média de 14 a 61 horas.

No entanto, justamente por suas características e grande volume de prescrições médicas, o uso deve ser cuidadoso, uma vez que existe o risco de uso crônico, dependência e abuso (BERNIK, 1999; SILVA, 2006; LACERDA et. al., 2003).

A literatura aponta que, em casos de dependência, com utilização por períodos maiores que seis meses, podem haver manifestações de síndrome de abstinência em um período de um a onze dias após a retirada, com piora dos sintomas entre cinco e seis dias e que desaparecem em quatro semanas (RANG, DALE, 2007; SEIBEL, TOSCANO, 2000).

Drogas estimulantes do SNC

As drogas estimulantes levam ao aumento do estado de alerta, à insônia, à perda do apetite, à agitação psicomotora e à aceleração dos processos psíquicos (como a linguagem e o pensamento).

Destacamos, neste grupo, as anfetaminas, a cocaína e o crack.

a) ANFETAMINAS

Neste grupo são incluídas diversas drogas estimulantes conhecidas também como tipo-anfetaminas. Elas podem ser divididas em dois subgrupos: tipo-anfetaminas e tipo-anfetaminas com propriedades alucinógenas. A seguir, vamos ver mais sobre cada um dos grupos.

As intoxicações crônicas incluem essa mesma sintomatologia, mas acompanhadas também de perda de peso e distúrbios psiquiátricos. A tolerância a essas drogas pode se desenvolver rapidamente, levando ao aumento progressivo das doses consumidas.

Observa-se que usuários regulares podem desenvolver dependência grave e, na ausência ou na diminuição do consumo, apresentam sintomas da síndrome de abstinência, que incluem depressão, isolamento, hiperfagia, hipersonia, humor disfórico e fadiga.

Na abstinência causada por esse tipo de substância, deve-se estar alerta aos sintomas de humor, pois caso haja depressão severa, há uma maior possibilidade de ocorrer ideação paranoide e tentativas de suicídio.

b) COCAÍNA e CRACK

A cocaína pode ser administrada por via oral (folhas mascadas), intranasal (cloridrato de cocaína), intravascular (cloridrato de cocaína) e pulmonar (pasta de coca e crack).

Altas doses podem levar ao bruxismo, perda do interesse sexual, diminuição da concentração, ideias delirantes com conteúdo persecutório, alucinações visuais e auditivas, crises convulsivas, arritmia cardíaca, parada respiratória e derrame.

Sempre que houver intoxicação aguda por cocaína ou crack recomenda-se observar o usuário a fim de garantir que ele não tenha outras complicações, como urgências clínicas ou psiquiátricas. Pode ser recomendado o uso de benzodiazepínicos para diminuição da ansiedade, e os profissionais também ficar atentos à hipertermia.

Além disso, o consumo de crack expõe o indivíduo a comportamentos sexuais de risco (número elevado de parceiros, troca de sexo pela droga, prostituição, falta de uso de preservativos), que podem resultar em doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a síndrome da imunodeficiência adquirida, conhecida pela sigla AIDS.

Como o poliuso é bem comum, principalmente associando ao consumo de maconha e bebidas alcoólicas, deve-se investigar essa possibilidade.

Drogas perturbadoras do SNC

Essas substâncias perturbam o sistema nervoso central, o que pode resultar em alterações da sensopercepção. Abordamos aqui a substância mais comum dessa categoria: a maconha.

a) MACONHA

É incomum a presença de indivíduos em serviços de emergência levados apenas pelo consumo de maconha. Assim, essa situação tem mais chances de ocorrer quando a pessoa faz uso pela primeira vez e sente-se temerosa quanto aos efeitos da substância, podendo ficar ansiosa e até ter uma crise de pânico.

Geralmente, o oferecimento de um ambiente calmo e acolhedor somado à administração de baixas doses de benzodiazepínico são suficientes para auxiliar nas situações de emergência.

Avaliação Diagnóstica

A avaliação do consumo problemático de substâncias deve incluir a avaliação médica geral e psiquiátrica.

Os profissionais também podem contar com o auxílio de alguns instrumentos.

Essas informações são essenciais para que o cuidado adequado seja prestado.

É importante ressaltar que não apenas os usuários que apresentam episódios com consequências negativas do consumo dessas substâncias na história de saúde pregressa devem ser o foco do olhar dos profissionais. Grande parte dos usuários as utiliza frequentemente, mas ainda sem problemas relacionados. Justamente pelo continuum que existe, em que o uso frequente leva à cronicidade e aos agravos, é fundamental que os profissionais abordem os usuários de maneira horizontal, buscando o entendimento de como se dão o uso e os riscos presentes.

Sugere-se que avaliação do consumo de substâncias seja realizada com o auxílio de diferentes fontes, podendo, inclusive, ser utilizados testes laboratoriais para avaliar o impacto do consumo no organismo. A entrevista com os acompanhantes também pode ser essencial na avaliação e deve ser solicitado ao indivíduo permissão para entrar em contato com outras pessoas que possam oferecer mais informações.

Por exemplo, dosagem das enzimas hepáticas (GGT, TGO e TGP), do volume corpuscular médio (VCM) e da transferrina (CDT), para consumidores de álcool.

Deve-se considerar também que muitas pessoas que apresentam situações de emergência relacionadas ao consumo de drogas fizeram o uso de mais que uma substância.

Para auxiliar essa investigação, a Organização Mundial de Saúde desenvolveu dois instrumentos: o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) – em português, Teste para Identificação de problemas Relacionados ao Uso de Álcool – e o Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST) – chamado, em português, de teste de triagem do envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias.

Abaixo, apresentamos os dois instrumentos não como protocolos, mas sim como diretrizes para auxilia-lo na investigação diagnóstica. É importante ressaltar que, mesmo não utilizando os instrumentos, é fundamental que o profissional tenha em mente seus princípios para a avaliação dos casos.

Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT)

O AUDIT, Teste para Identificação de problemas Relacionados ao Uso de Álcool, foi desenvolvido para avaliar o consumo de bebidas alcoólicas. É composto por dez questões e, de acordo com a pontuação, auxilia a identificar quatro diferentes padrões de consumo: uso de baixo risco (consumo que provavelmente não levará a problemas), uso de risco (consumo que expõe a pessoa ao risco de ter danos), uso nocivo (consumo que provavelmente já tenha causado danos) e provável dependência. É um instrumento de aplicação fácil e rápida, que também auxilia o profissional a entender o tipo de intervenção que deve ser realizada.

Veja o teste AUDIT abaixo.

A pontuação do teste corresponde ao padrão de consumo. Observe o quadro abaixo.

Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST)

O Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (teste de triagem do envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias) é um instrumento desenvolvido para o rastreamento do consumo de substâncias psicoativas, identificando o consumo de baixo risco, o abuso (uso de risco e uso nocivo), a provável dependência e o uso injetável.

Veja mais detalhes desse teste no Quadro a seguir. Veremos melhor como obter o diagnóstico com auxílio do ASSIST e quais orientações ele pode dar.

Após a aplicação, o profissional deve somar os pontos para cada uma das substâncias. Como são avaliados nove grupos de substâncias, haverá nove pontuações totais, referentes a cada um dos grupos.

Baixo Risco

Se a pontuação indicar consumo de baixo risco, sugere-se, conforme indica o Quadro 05, que a intervenção não é essencial. Mas caso o profissional queira agir preventivamente, pode parabenizar o indivíduo pelo consumo de baixo risco e orientar que ele continue assim.

Consumo de risco ou uso nocivo

Quando for identificado consumo de risco ou uso nocivo, a sugestão é de que o profissional realize intervenções breves, como podemos ver nesse mesmo quadro.

Provável dependência

Já quando há indicativo de provável dependência, o profissional pode realizar uma intervenção breve e encaminhar o usuário para um tratamento adequado.

Veja no quadro a seguir a pontuação do teste ASSIST para cada droga.

Diagnóstico Diferencial

Dentre os aspectos diagnósticos para o uso de substâncias psicoativas está o uso frequente, que costuma causar:

Segundo a OMS (1998), com o consumo frequente, a pessoa fica com dificuldade de controlar o uso da substância, apresentando forte desejo de usá-la na maior parte de tempo da vida cotidiana.

Além disso, pode-se desenvolver síndromes de tolerância, quando as pessoas usam grandes quantidades de substâncias sem parecerem intoxicadas. Há também pessoas que passam pelo processo de abstinência e, inclusive, apresentam sintomas como ansiedade, tremores e sudorese quando interrompem o uso.

O diagnóstico diferencial, segundo a OMS (1998, p. 24), considera que transtornos por uso de drogas frequentemente estão associados com transtornos causados por uso de álcool. Sintomas de ansiedade ou depressão podem ocorrer com o uso de substâncias, então é necessário monitorar e, se após a abstinência esses sintomas persistirem, pensa-se em um transtorno de ansiedade e/ou depressão.

Reiterando o que afirmamos anteriormente, é importante lembrarmos que o poliuso pode estar presente, o que dificulta o diagnóstico diferencial.

Abordagem Inicial

Vejamos agora como avaliar a motivação para a mudança e, em seguida, as intervenções breves utilizadas para a orientação e o aconselhamento de pessoas com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.

Avaliação da motivação para mudança

Quando há o consumo de substâncias psicoativas, é importante que o profissional envolvido no aconselhamento ou no tratamento avalie a motivação do usuário para mudar seu próprio comportamento. Os psicólogos Prochaska e DiClemente sugerem um modelo para ajudar a compreender o processo pelo qual as pessoas passam quando mudam seus comportamentos. Baseando-se em diferentes teorias e na observação clínica, propuseram que as pessoas passariam por cinco estágios diferentes, conhecidos como estágios de prontidão para mudança.

Na mudança de comportamento, o papel dos profissionais de saúde é de auxiliar os usuários a se engajarem em processos de mudanças, estabelecendo metas para isso. Vale lembrar que a meta principal deve ser reduzir os danos que podem ser causados pelo consumo de substâncias. Assim, a abstinência pode ser uma meta, mas não deverá ser a única. As metas devem ser construídas de acordo com as características e demandas do indivíduo.

Vejamos uma descrição dos estágios de prontidão para mudança e as sugestões de estratégias que podem ser utilizadas em cada um deles.

OBS: Observe a barra de rolagem para ver o texto completo da animação.

Estágio de pré-contemplação

A pessoa não reconhece o uso de substância como sendo um problema. Esse não reconhecimento pode ser por falta de informação sobre os riscos ou por falta de interesse na mudança de comportamento. Geralmente, a pessoa que está nesse estágio só irá procurar tratamento se for pressionada.

Afinal, se o consumo não é encarado como um problema, o que moverá essa pessoa a alterar o modo como usa a substância? Qual será sua motivação para mudança? Será praticamente nula, já que a mudança por não fazer qualquer sentido para ela.

Dessa forma, uma intervenção personalizada objetiva ajudar o consumidor da substância a reconhecer e desenvolver uma consciência de seus problemas, auxiliando-a a compreender os motivos que teria para mudar a fim de motivá-la. Sugere-se que nesse momento o profissional analise com a pessoa quais riscos ele se expõe com seu comportamento, se já teve algum dano com ele e quais os prejuízos que ainda poderá ter.

Estágio de contemplação

Nesse estágio, o paciente está ambivalente – começa a ter consciência de seu problema, pensa em mudar seu comportamento, mas teme as perdas que terá com essa mudança. Quer e não quer mudar. Muitas pessoas ficam nesse estágio por anos. Se perguntarmos o que move essa pessoa a deixar de consumir substâncias, veremos que ela tem motivações, mas também tem dúvidas.

A intervenção aqui será explorar essa ambivalência. O profissional deve conversar com o paciente sobre suas motivações e dúvidas, refletir com ele sobre as vantagens e as desvantagens da mudança do comportamento e trabalhar com as perdas e os ganhos que ele terá, incentivando sua autonomia na tomada das decisões.

Estágio de determinação

Nesse momento, o paciente quer realizar a mudança, já tomou a decisão, deseja mudar o modo como consome substâncias. O problema, em geral, é que não sabe exatamente como fazer para mudar. O papel do profissional nesse caso é ajudar o paciente a planejar essa mudança construindo, com ele, metas para que isso ocorra.

É importante lembrar que o planejamento e as metas devem ser estabelecidos pelo paciente, de acordo com o que ele considera mais relevante. E essas metas devem também ser realizáveis, ou seja, o paciente deve perceber que conseguirá cumpri-las. Alguns profissionais podem ficar tentados a estabelecer metas que lhes pareçam as mais adequadas, mas que, entretanto, podem ser impossíveis de o paciente cumprir. Isso se torna contraproducente, já que aumenta a sensação de fracasso do paciente, de seus familiares e até do profissional.

Sugere-se trabalhar com pequenas metas, de tempos em tempos, acordadas com o paciente, pois ao cumprir uma meta, por menor que pareça, o paciente experimentará o sucesso, terá sua autoestima aumentada e as chances de continuar no processo de mudanças serão cada vez maiores.

Ação

Nesse estágio, o paciente já está efetivamente realizando mudanças no seu comportamento, fazendo tentativas concretas para superar seus problemas. Ele segue o plano e as metas estabelecidas, mas enfrenta situações de risco, que ocorrem quando sente grande dificuldade para manter sua decisão de mudança.

Ele chega inclusive a recair. Nesse caso, o profissional deve realizar um trabalho que o deixe próximo ao paciente, ajudando-o a identificar as situações mais difíceis e a pensar em formas de lidar com elas. A recaída é considerada uma situação de aprendizado, já que ensina ao paciente que a situação ocorrida quando recaiu é uma situação perigosa e, por isso, é necessário pensar em alternativas para aprender a lidar com ela em outros momentos.

Manutenção

Nessa fase, o paciente já vem há algum tempo mantendo sua mudança de comportamento, entretanto, a qualquer momento podem aparecer situações de risco com que ele necessitará lidar. Ou seja, nesse estágio o paciente ainda pode recair e ter de recomeçar alguns processos. O trabalho aqui tem como foco evitar a recaída e consolidar os ganhos provindos da mudança.

É importante que nos lembremos que esses estágios não ocorrem sempre de forma ordenada e progressiva.

Às vezes o usuário que estava no estágio de preparação, já considerando uma mudança, volta para o estágio de pré-contemplação, em que tem dificuldades de visualizar motivos para deixar de consumir substâncias psicoativas. Outras pessoas também ficam em um único estágio por muito tempo, sem conseguirem avançar.

Intervenções breves

As intervenções breves são muito utilizadas para a orientação e o aconselhamento de pessoas com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.

As características principais das intervenções breves se referem ao fato de tomarem pouco tempo, serem bastante focadas e destinadas a usuários com diferentes padrões de consumo e de poderem ocorrer em contextos diferentes dos de serviços tradicionais para tratamento de álcool e drogas (serviços de saúde, escolas, empresas e outros).

O tempo das intervenções breves costumam variar de cinco minutos a aproximadamente três encontros.

Apesar de serem intervenções rápidas, elas contêm elementos que desencadeiam a motivação para mudança. Conheçamos esses elementos a seguir.

Atendimento Sequencial

Como falamos anteriormente, os problemas relacionados ao consumo de álcool são os mais comuns nos serviços de saúde. O tratamento da abstinência alcoólica pode ser realizado nos serviços de atenção primária, secundária e terciária. A Figura 01,abaixo, indica como esse tratamento deve ser realizado.

 

Figura 01 – Protocolo para tratamento da Síndrome de Abstinência Alcoólica.

Observações:

1. Lorazepan poderá ser usado no caso de cirrose, na dose de 2 a 4mg a cada 1 ou 2 horas, até alcançar a sedação          leve.

2. Se houver reação adversa ao benzodiazepínico, usar fenobarbital como substituto (100 a 200mg a cada 1 ou 2 horas,          até sedação leve).

3. Observar a possibilidade de outra droga associada.

4. Se o paciente tem história de convulsão durante a abstinência, reduzir o benzodizepínico de forma mais lenta.

5. NÃO hidratar indiscriminadamente.

6. NÃO administrar glicose.

7. NÃO administrar clorpormazina.

8. NÃO aplicar diazepam por via endovenosa se não houver recursos para reverter uma possível parada respiratória.

Fonte: Brasil (2002)

As intoxicações agudas por álcool desencadeiam sintomas como a excitação do humor, a falta de coordenação motora e vômitos, podendo levar a incontinência, problemas de reflexo (hiporreflexia), estupor e coma. Os sintomas graves, que podem provocar parada cardiorrespiratória, devem ser manejados em atendimento pré-hospitalar e em internação de cuidados intensivos. Entretanto, a maioria dos casos de intoxicação se soluciona por si mesmos (SARACENO; ASIOLI; TOGNONI,1994). Cabe ao profissional ter disposição e paciência para escutar o paciente. Às vezes, o uso de ansiolíticos é indicado.

LEITURA COMPLEMENTAR

É fundamental que o profissional que vai intervir clinicamente nos casos tenha em mente que o manejo adequado é importante. Nesse sentido, as unidades da atenção básica podem dispor de sala para situações que demandem observação, não encaminhando todos os casos ao serviço hospitalar, mas apenas aqueles que demandem internamento. Nesse sentido, a leitura complementar do texto de Laranjeira et al (2000) apresenta os parâmetros de quando atender em nível de atenção primária e quando encaminhar o caso. Clique Aqui.

Indicação de encaminhamento e monitoramento

A Rede de Álcool e Outras Drogas, prevista na Rede de Atenção Psicossocial, deve ser pensada na elaboração e implantação do Plano Municipal de Saúde.

Atenção Básica em Saúde

Os pontos que integram a Atenção Básica em Saúde são a Unidade Básica de Saúde, a Equipe de Consultório na Rua e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

Unidade Básica de Saúde

A Unidade Básica de Saúde é considerada a principal porta de acesso aos usuários, em todas as temáticas de saúde, incluindo o uso e o abuso de substâncias psicoativas. Especificamente, é de responsabilidade desse serviço

[...]desenvolver ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais, ações de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais pontos da rede. (BRASIL, 2011b)

Equipe de Consultório na Rua

Trata-se de uma equipe constituída por profissionais que atuam de forma itinerante, ofertando ações e cuidados de saúde para a população em situação de rua e que tem profunda relação com o uso de substâncias psicoativas. Esse serviço tem as mesmas competências das Unidades de Atenção Básica, mas com adaptações às realidades do público que atendem.

Núcleo de Apoio à Saúde da Família

É composto por profissionais de saúde de diferentes áreas de conhecimento, tendo, obrigatoriamente, pelo menos um da área de Saúde Mental. Esse núcleo a responsabilidade de apoiar as demais equipes da Atenção Básica atuando diretamente no apoio matricial e, quando necessário, no cuidado compartilhado com as equipes, incluindo o suporte ao manejo de situações relacionadas ao sofrimento ou ao transtorno mental e aos problemas relacionados ao uso de crack, álcool e outras drogas.

Atenção Psicossocial Especializada

O Centro de Atenção Psicossocial corresponde à área de Atenção Psicossocial Especializada.

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

Trata-se de um serviço com equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar. Realiza-se o cuidado, prioritariamente em espaços coletivos, de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e de pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo, e não-intensivo.

Nessa lógica, os municípios podem contar com os CAPS Álcool e Drogas (CAPS AD), que atende adultos, crianças e adolescentes com necessidades especificas e decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.

Cuidados pós evento agudo no domicilio e na comunidade

Em termos individuais, os cuidados pós-eventos agudos relacionados à embriaguez e à intoxicação por drogas ilícitas se referem predominantemente ao acompanhamento e sensibilização do usuário e de sua família para o seguimento dos serviços que mencionamos. Dessa forma, espera-se que o usuário lide com o seu problema, bem como encontre recursos terapêuticos que o auxiliem no tratamento.

Ressaltamos a importância da monitorização constante e do suporte oferecido pela equipe de saúde, uma vez que os problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas geralmente incidem em recaídas até que ocorra a saída do quadro de dependência.

Em termos comunitários, estratégias de divulgação de informações sobre os problemas, suas consequências e os recursos disponíveis na unidade de saúde devem ser empregadas. Assim, espera-se conscientizar a população tanto em termos preventivos como curativos, uma vez que se trata de um problema de grande complexidade e para o qual o fator cultural é fundamental quando tratamos da minimização de sua prevalência em dada localidade.

Fechamento

Nesta unidade, abordamos os saberes e as práticas relacionados ao uso abusivo de álcool, crack e outras drogas. Foram indicadas as diferentes formas e os modelos de cuidado dos pacientes usuários de substâncias psicoativas e vimos que apesar de cada uma dessas apresentar sua especificidade, as decisões terapêuticas devem considerar a pessoa que sofre e oportunizar sua participação efetiva na construção de seu projeto terapêutico.

Sugerimos que realize as atividades avaliativas para que você possa compreender o seu aproveitamento ao longo do estudo sobre embriaguez e intoxicação por drogas ilícitas.

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Autora

Clarissa Mendonça Corradi-Webster

Professora da Universidade de São Paulo (USP), na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP), do Departamento de Psicologia. É coordenadora do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicopatologia, Drogas e Sociedade (LePsis), no qual também é professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Possui graduação em Psicologia pela FFCLRP-USP (1997), mestrado em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicida de Riberão Preto (FMRP-USP) (2004) e doutorado em Psicologia pela FFCLRP- USP (2009). Realizou também estágios em pesquisa na University of Pittsburgh, sob supervisão da professora Ada Mezzich, e na University of New Hampshire, sob supervisão da professora Sheila McNamee. Fez especialização em Psicoterapia e Psiquiatria da Adolescência no Hospital das Clínicas da FMRP-USP (HCFMRP-USP). É membro do The Taos Institute, da International Network on Brief Interventions for Alcohol & Other Drugs (INEBRIA) e do Grupo de Estudos Drogas e Sociedade da USP (GEDS-USP). É editora-associada dos periódicos Paideia (ISSN 0103-863X) e Saúde e Transformação Social (ISSN 2178-7085). Suas pesquisas concentram-se nas temáticas de saúde mental, psicopatologia e psicologia social da saúde, com ênfase na área de álcool e outras drogas. Nesta área, vem estudando os discursos que constroem sentidos e as práticas no campo, a psicopatologia e o consumo de substâncias, o gênero e o consumo de substâncias, a formação de profissionais de saúde, as estratégias de redução de danos e as políticas em saúde mental.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2858608341497072