Cirurgias eletivas

Caso exista uma fila de espera para cirurgias eletivas no “modelo tradicional”, cabe ao gestor indicar uma avaliação e qualificação dessa fila, baseada em auditoria de registros em prontuários para assumir o controle do acesso e permitir a transparência da ordenação. No dia-a-dia, é possível ouvir o termo “higienização das filas de demanda” ao se tratar desse tema. Nos casos em que a demanda esteja sob administração dos próprios serviços ou de seus profissionais, deve ser realizado um novo cadastro a partir de protocolos clínicos e de regulação.

É possível que, ao se avaliarem os pacientes que estejam em filas, alguns que aguardam o procedimento sejam excluídos por já terem realizado o procedimento em outros serviços, por desistência da sua realização, por mudança de endereço ou falecimento, ou mesmo por haver contra indicação clínica para a realização da cirurgia.

O cadastramento do usuário na demanda por cirurgias na central de regulação deverá ser realizado considerando o laudo do médico que presta assistência ao paciente, onde devem estar explicitados a patologia, a indicação clínica, os riscos, o tempo de espera máximo adequado para a realização do procedimento, as patologias de base e outras informações que o gestor considerar adequadas (BRASIL, 2013b).

Pausa para o debate

Prioridade: como organizar as filas de cirurgias eletivas? Leia as situações descritas a seguir e, depois, clique aqui para discutir o assunto com os demais participantes do curso.

Situação 1: Paciente jovem com hérnia inguinal que o impede de exercer atividade laborativa versus paciente jovem com hérnia inguinal diagnosticada ao exame clínico versus paciente idoso com hérnia inguinal de longa evolução versus paciente com hérnia inguinal volumosa diagnosticada há 3 anos. Qual a ordem de prioridade?

Situação 2: Paciente jovem vítima de trauma abdominal há 3 meses sendo submetida à colostomia à época. Atualmente, com indicação de fechamento da enterostomia. Como cadastrar a demanda?

Situação 3: Laqueadura tubária e vasectomia. Onde cadastrar e como controlar a demanda?

Cabe ao gestor estabelecer um fluxo único para ingresso na fila da demanda para cirurgias eletivas, sob sua regulação, que estabeleça as prioridades dos casos baseadas em classificação de risco, porém mantendo a prerrogativa do médico assistente poder antecipar o procedimento solicitado, dentro de protocolos de priorização. O serviço de saúde, conhecendo o paciente, tem melhores condições de priorizar as situações de risco. Toda priorização deve ser consensuada com a regulação, estar sob controle e ser avaliada (USP, 2015).

A classificação de risco e a priorização do paciente no cadastro da demanda devem considerar as condições clínicas, com critérios de gravidade e de potencial agravamento, as características sociais (vulnerabilidades) e da própria doença para orientar a escolha do serviço de saúde mais adequado para realizar o diagnóstico, quando for o caso, ou o procedimento cirúrgico. Essa classificação associada à data de entrada da solicitação da cirurgia deve ordenar o acesso do paciente ao procedimento.

Protocolos clínicos, que considerem classificação de riscos clínico e social, além de ordenar a fila, devem contribuir para a escolha e para o encaminhamento ao serviço mais adequado para atender o paciente.

Atenção


Como princípio a ser observado, os serviços executantes só devem receber o que podem resolver com eficácia e eficiência.

É intrínseco ao raciocínio clínico a consideração de riscos, vulnerabilidades e a priorização. No entanto, quando falamos de um sistema que funciona em rede, faz-se necessário pactuar esses critérios coletivamente, para que a priorização de um recurso para determinado paciente não fique dependente apenas do critério utilizado pelo profissional que o atendeu (GIANNOTTI, 2013, p. 101).

Assim, o gestor deve planejar a utilização da rede de atenção considerando pacientes que podem ser tratados em regime de cirurgia ambulatorial e de hospital-dia, em hospitais com ou sem retaguarda de UTI ou que necessitem de serviços de maior complexidade ou mesmo de serviços especializados. Em outras palavras, o gestor deve definir o papel de cada serviço como ponto de atenção nas linhas de cuidado, regular o acesso a esses serviços, controlar as condições oferecidas e o total de encaminhamentos realizados para cada serviço, evitando sobrecargas.

Saiba mais

Ponto de atenção são espaços onde se ofertam determinados serviços de saúde, por meio de uma produção singular, como uma unidade ambulatorial especializada, uma unidade de atenção domiciliar, uma unidade de atenção paliativa etc. (BRASIL, 2013a).

Os protocolos devem ser construídos com a participação dos profissionais que irão utilizá-los. Nesse aspecto, deve ser dada uma importância maior à Atenção Básica, para que os profissionais da rede básica se sintam contemplados e para que todos não se sintam limitados em suas práticas diárias. Os protocolos, também, devem ser revistos sempre que se julgar necessário. Mais importante que instituí-los é respeitá-los e saber que sempre haverá exceções que não se enquadram no protocolo (GIANNOTTI, 2013).

Para tanto, é necessário haver um diálogo constante entre gestor, regulador, prestador e profissionais assistentes a fim de monitorar os processos de trabalho. Esse diálogo deve se concretizar em espaços de encontros periódicos onde se possa discutir, junto com os profissionais das unidades solicitantes, a indicação dos procedimentos, as consultas ou internações solicitadas à Central, e onde se possa também estudar os problemas de acesso dos pacientes aos serviços de saúde, acompanhar a utilização dos protocolos de regulação, apresentar casos que fogem aos protocolos e repactuar os protocolos de acesso (GIANNOTTI, 2013).

Um protocolo assistencial ou um protocolo de acesso pode ser elaborado a partir de uma proposta inicial dos técnicos especialistas na área e, em seguida, ser colocado para análise e reconstrução pelos profissionais e equipes que deverão utilizá-lo ou que terão seus processos de trabalho afetados pelo documento, buscando consenso.

Pausa para o debate
Paciente politraumatizado, com TCE, fratura complexa de mandíbula e com fratura exposta de tíbia, atendido na urgência no hospital, foi submetido à limpeza cirúrgica e fixação externa da fratura de tíbia. Ele continua internado com indicação de osteossíntese da tíbia e de intervenção da cirurgia buco-maxilo que o serviço não realiza. Para onde e como encaminhar? Clique aqui para debater o assunto no fórum.

Não há uma definição única de a quem cabe regular as situações como no caso descrito acima. Podem ser reguladas na Central de Urgência ou na Central Hospitalar. Cabe ao gestor definir a organização local.

PORTARIA nº 1.559, DE 1º DE AGOSTO DE 2008

(...)

Art. 9º - O Complexo Regulador é a estrutura que operacionaliza as ações da regulação do acesso, podendo ter abrangência e estrutura pactuadas entre gestores, conforme os seguintes modelos:

(...)

§ 1º O Complexo Regulador será organizado em:

(...)

II - Central de Regulação de Internações Hospitalares: regula o acesso aos leitos e aos procedimentos hospitalares eletivos e, conforme organização local, o acesso aos leitos hospitalares de urgência; e

III - Central de Regulação de Urgências: regula o atendimento pré-hospitalar de urgência e, conforme organização local, o acesso aos leitos hospitalares de urgência. (...)

Clique aqui para acessar a Portaria na íntegra.

Paciente internado, porém ainda em situação de urgência que não encontra solução no serviço, deve ser adequadamente acolhido pela Central de Regulação das Urgências. Onde há consenso sobre a gravidade do caso não há dúvidas sobre esse fluxo.

Por outro lado, paciente internado, porém já fora da situação de urgência e que precisa de outros recursos para a adequada continuidade do tratamento, não está regulado, via de regra, pela Central de Urgências. Esse processo deve ser pactuado e constar nas grades de oferta regionais. Rotineiramente, após a estabilização do paciente, a urgência deixa de ser a prioridade e, então, passa, geralmente, a ser “problema” do hospital, uma vez que este está com o paciente necessitando de uma nova abordagem clínica ou cirúrgica, que o serviço não tem condições de oferecer e não está regulado pela Central de Urgência.

É necessário construir uma estrutura reguladora para buscar os recursos necessários para o tratamento adequado, também, para esses casos. Essa estrutura deve contemplar um núcleo de regulação interno que seja interlocutor ativo do Complexo Regulador e ter como ferramenta a grade de referência na rede de atenção previamente pactuada.

Atenção

Ao se organizar o Componente Hospitalar da Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), no âmbito do Sistema Único de Saúde, na Linha de Cuidado ao Trauma, deverá estar contemplada a estratégia de acesso aos leitos de clínica médica de retaguarda e aos leitos crônicos para retaguarda aos atendimentos de urgência/emergência e para tratamento referente aos procedimentos cirúrgicos em traumatismos realizados em um segundo momento após o tratamento de urgência. Esse segundo momento passa a ser considerado uma urgência relativa, portanto, para além da regulação inicial de acesso à urgência, mas longe de caracterizar uma cirurgia eletiva regulada a partir da atenção básica. Inclusive, deve-se reorientar a oferta de procedimentos cirúrgicos traumato-ortopédicos de urgência, sem prejuízo às cirurgias eletivas ortopédicas. Assim, cabe à Central de Regulação Hospitalar (ou à Central de Urgências) regular o encaminhamento dos pacientes vítimas de trauma após o atendimento inicial na assistência imediata e que necessitem de tratamento definitivo em traumato-ortopedia, respeitando as singularidades do cuidado, sem prejuízo ou comprometimento clínico do paciente (BRASIL, 2013c).

E mais:

O componente hospitalar da Rede de Atenção às Urgências será constituído por:

- Portas Hospitalares de Urgência;

- Enfermarias de retaguarda clínicas e de longa permanência;

- Leitos de cuidados intensivos;

- Reorganização das linhas de cuidados prioritárias (BRASIL, 2011d).

Última atualização: quarta, 21 Nov 2018, 15:50