Biodireito e bioética

O profissional de saúde precisa saber que, da mesma forma que existem recomendações, legislações e protocolos para lidar com a vida, também existe uma série de questões éticas e legais para lidar com a morte. Sendo assim, perguntamos:  

Existem vários conceitos que definem esses termos, porém, para começarmos, buscaremos resgatar alguns conceitos básicos para darmos fundamentação teórica a discussões sobre vários temas atuais que nos trazem dúvidas quanto à morte, seja ela suspeita, causa violenta (suicídio, homicídio e acidente), morte natural, aborto, eutanásia, ortotanásia, distanásia, entre outras formas.

Na tentativa da integralização do cuidado em situações de morte, na comunidade adscrita ou na própria unidade de saúde, os profissionais da Atenção Básica podem ter algumas dúvidas sobre: "o que é ilícito ou lícito do ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro e perante a bioética?" "Quem pode verificar o óbito?" "Quem atesta o óbito?"  


Biodireito

Biodireito compreende o caminhar sobre o tênue limite entre as liberdades individuais e a coibição de abusos contra o indivíduo ou contra a espécie humana (DINIZ, 2008). Tem como objeto regular ordenar a atividade científica de acordo com a Constituição Federal, incumbindo-lhe de criar instrumentos e indicar procedimentos apropriados para orientar condutas diante dos problemas suscitados pelas novas tecnologias, bem como prever punições no caso de ocorrerem hipóteses de mau uso da liberdade de pesquisa científica e da qual resulte risco à integridade da pessoa humana, à sua liberdade, à sua vida e à sua dignidade (BRASIL, 2016; MÁDERO, 2010).

Para se falar em biodireito, tem-se que definir quando começa a vida e quando ocorre sua finitude. Então, discutiremos o processo da vida (início e finitude) do ponto de vista do ordenamento jurídico e bioético.

Para Jerome Lejeune (geneticista e pesquisador), o início da vida humana se dá com a concepção. A vida começa na fecundação, momento em que dados genéticos que definem um novo ser humano estão presentes, sendo, portanto, a fecundação o marco inicial da vida (GIMENES et al., 2015, p. 25).

No âmbito jurídico, a proteção à vida humana começa com a concepção, em decorrência de o Estado Brasileiro ser signatário da convenção americana de Direitos Humanos, que tutela a vida desde a fecundação, a qual continua com a implantação, o período embrionário, o período fetal, o nascimento, a infância, a puberdade, a idade adulta e a velhice, até a morte (LOPES; LIMA; SANTORO. 2014; GIMENES et al., 2015).

Sendo assim, em relação ao direito de estar vivo, no ordenamento jurídico brasileiro, o processo vital não pode ser interrompido senão por causa natural. Em decorrência desse direito, a legislação penal tipifica os crimes contra a vida. É também em razão do direito à vida que a legislação penal tipifica esses crimes, em decorrência de ato praticado por terceiros (homicídio, aborto) ou em decorrência de vontade própria (suicídio) (LOPES; LIMA; SANTORO. 2014; GIMENES et al., 2015).

A proteção Constitucional dá-se em todas as fases da vida. No entanto, existem situações legitimadas pelo ordenamento jurídico brasileiro nas quais prevalecem o direito à vida, em detrimento aos direitos fundamentais (LOPES; LIMA; SANTORO, 2014).

A tutela da vida digna depreende-se do artigo 1º, inciso III, da Lei Maior, segundo o qual o Estado brasileiro tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Esse dispositivo é reforçado pelo artigo 170 da constituição, o qual estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos os indivíduos existência digna, conforme os ditames da justiça social (BRASIL, 2016; LOPES; LIMA; SANTORO, 2014, p. 44).

O biodireito, apesar de ainda ser uma área em construção, fundada nos pilares do Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Penal, é um tema de essencial importância, na medida em que objetiva a proteção da dignidade do ser humano frente às inovações biotecnológicas e biomédicas. Isso porque situações emergentes nem sempre podem ser solucionadas a contento pelos institutos tradicionais do Direito, devido a lacunas normativas.

A proteção da vida desde a concepção e a compreensão de que a dignidade configura atributo de todo ser humano constituem os alicerces que irão sustentar toda e qualquer normatização (GIMENES et al., 2015).


Bioética

Bioética é o termo derivado da fusão de vocábulos de origem grega, por este motivo, o termo significa ética da vida.

FONTE: (LOPES; LIMA; SANTORO, 2014, p. 106, adaptado).

A bioética pode ser compreendida como um ramo da filosofia ética que busca encontrar as respostas da ética tradicional para os problemas contemporâneos surgidos em virtude dos novos descobrimentos das ciências médicas e biológicas e da tecnologia a elas aliada e que interferem na vida humana (LOPES; LIMA; SANTORO, 2014, p. 106). Para Diniz (2008, p. 11-12), “A bioética consistiria ainda no estudo da moralidade da conduta humana na área de ciências da vida, procurando averiguar o que seria lícito ou científico e tecnicamente possível”.

Os princípios fundamentais da bioética foram regulamentados no âmbito internacional, por meio da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada em 19 de outubro de 2005 pela 33º Sessão da Conferência Geral da Unesco. Ela incorpora os princípios que enuncia, nas regras que norteiam o respeito pela dignidade humana, pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. Ao consagrar a bioética entre os direitos humanos internacionais e ao garantir o respeito pela vida dos seres humanos, a Declaração reconhece a interligação que existe entre ética e direitos humanos no domínio específico da bioética (UNESCO, 2006).

O principal fundamento da bioética é o respeito ao ser humano e à sua dignidade (LOPES, et al. 2006).

Beneficência

Estabelece o dever ético de o profissional de saúde promover primeiramente o bem do paciente. Os profissionais de saúde, durante o seu oficio (exercício profissional), na medida do possível, devem evitar a ocorrência de danos.

Maleficência

É o dever que os profissionais de saúde têm de não causar dano aos pacientes. Deriva da máxima da ética médica: primun non nocere (significa "primeiro, não prejudicar”, tendo sua base no Juramento Hipocrático), que estabelece o dever que os profissionais de saúde têm de abster-se de prejudicar o paciente. Entretanto, com os novos avanços tecnológicos nas ciências médicas, levantam-se novos questionamentos quanto à compreensão da máxima da ética médica, como, por exemplo, na ortotanásia, que discutiremos adiante.

Autonomia

Estabelece o respeito à liberdade de escolha do paciente. Determina o respeito à capacidade de gerir e conduzir a própria vida corporal e mental, por meio de suas escolhas e opções. Cada ser humano deve ser respeitado no comando e na autoridade sobre sua própria vida. Todos devem ter resguardada a capacidade de gerenciar sua própria vida, tomar suas próprias decisões, fazer suas opções terapêuticas e escolher as mais adequadas aos seus valores pessoais, assim como em relação aos custos e benefícios. O consentimento do paciente quando exigido deve ser livre e ele informado de sua realidade e condições, para que possa tomar decisões com consciência e responsabilidade. O princípio de autonomia tutela os interesses daqueles cuja liberdade de vontade é reduzida (quando o indivíduo não responde por si); nesse caso, respeita-se a vontade do representante legal.  

Justiça

Estabelece a garantia de distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios dos serviços de saúde. Como decorrência, determina que seja dado tratamento adequado a condições específicas de cada paciente. Para que o referido princípio seja respeitado, deve existir uma relação equânime entre os benefícios e os encargos proporcionados pelos serviços de saúde ao paciente, uma vez que não há justiça quando alguns grupos enfrentam todos os prejuízos e outros recebem todas as vantagens.  

Última atualização: quinta, 31 Jan 2019, 15:31