Práticas éticas e legais no enfrentamento da morte
Importância da preservação de vestígios no pré-hospitalar
O conhecimento dos temas anteriores também converge para explicar a necessidade dos profissionais de saúde, que atuam no atendimento pré-hospitalar, de preservar os vestígios sem prejuízo aos cuidados de emergências.
Os vestígios no corpo das vítimas de homicídios/suicídios podem se perder se, por exemplo, a equipe de atendimento domiciliar ou a de emergência móvel, durante o atendimento e/ou transporte, não tiverem formação forense. A preservação de vestígios no atendimento pré- hospitalar é fundamental!
Entende-se como atendimento pré-hospitalar aquela assistência prestada, num primeiro nível de atenção, aos pacientes portadores de quadro agudo, de natureza clínica, traumática ou ainda psiquiátrica, que possa levar a sofrimento ou mesmo à morte, provendo um atendimento e/ou transporte adequado dentro da rede de atenção às urgências (BRASIL, 2002, 2011b). Esse atendimento é prestado por:
- Unidades Básicas de Saúde (UBSs);
- Unidades de Saúde da Família (USFs);
- Estratégia Agentes Comunitários de Saúde (EACS);
- Ambulatórios não especializados;
- Serviços de diagnóstico e terapia;
- Unidades não hospitalares de atendimento de urgência e emergência;
- Serviços de atendimento pré-hospitalar móvel (Serviço de Atendimento Móvel Urgência e bombeiros e/ou militares);
- Serviços de atenção domiciliar.
Pequenos detalhes podem passar despercebidos, como no exemplo abaixo:
Você sabia que nunca se deve cortar a roupa das vítimas por arma de fogo pelos buracos do projétil? Essa atitude destrói os vestígios! Se for fácil, remova normalmente a roupa do paciente e só em último caso corte-a pelas costuras.
Isso se baseia no fato de que a investigação criminal utiliza as vestes como provas criminais, sobretudo nos casos de vítimas de arma de fogo, em que, na maioria das vezes, a pólvora queimada ou não, durante o disparo, fica depositada na primeira superfície.
A preservação de vestígios é muito vasta, dependendo das situações que ocorram no atendimento pré-hospitalar, seja nas mortes por causa violenta (homicídio, suicídio e acidente), seja nas mortes por causa suspeita.
Como perceber?
Crianças, idosos e pacientes acamados são vulneráveis a maus tratos, agressões sexuais e violências (homicídios, suicídios e acidentes), devendo, o profissional de saúde, ficar especialmente atento a esse grupo de pessoas.
Em visitas domiciliares ou até mesmo nas consultas rotineiras, deve-se sempre suspeitar de maus tratos nesses indivíduos, quando:
- houver inconsistência entre o que está sendo dito e o que é observado;
- quando o ambiente onde vive a vítima apresentar vestígios de inadequação ou ausência de condições básicas de saúde (falta de higiene), ou, sobretudo, quando os vestígios estiverem associados a algumas características físicas, como fraturas e úlcera de pressão que não são relatadas ou documentadas;
- quando há informações dadas por diferentes pessoas (vizinhos, familiares, amigos próximos) sobre os cuidados e a condição do indivíduo.
A sede dos ferimentos no cadáver é alvo de vastas interpretações. O agente agressor, ao ferir a vítima, procura golpeá-la nas partes mortais, como precórdio, a cabeça e o pescoço, embora o agressor possa tentar ferir a vítima sem preferência de local. Alguns suicidas optam por zonas fatais para amenizar o sofrimento, já nos acidentes as lesões são mais diversificadas (FRANÇA, 2015).
As lesões externas encontradas no morto são de interesse incontestável, principalmente através de:
- Lesões de defesa: encontradas nas mãos, bordas mediais dos antebraços, pés, ombros, sobretudo as lesões da palma da mão e da face palmar dos dedos;
- Lesões por luta: encontradas mais comumente na face, pescoço e abdome. Escoriações e equimose encontradas no pescoço e nos braços. Essas lesões são mais dispersas.
Observar a sede dos ferimentos se faz importante, pois é justamente nessas áreas que potenciais provas criminais podem estar alojadas, necessitando, assim, de um cuidado redobrado no armazenamento das vestes próximas.
Gomes (2014) descreve o roteiro para coleta de vestígios com diferentes cenários no pré- hospitalar, o qual foi transcrito através da tabela abaixo:
Coleta de vestígios com diferentes cenários no pré-hospitalar
Acidentes de viação |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Atropelamento |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Armas de fogo |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Armas brancas |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Enforcamento |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Asfixia autoerótica |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Eletrocussão |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Queda |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Trauma brusco |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Intoxicação por droga |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Afogamento |
Registros
Procedimentos na recolha de vestígios
|
Fonte: (GOMES, 2014).
Diante da importância da preservação de vestígios durante atendimento das equipes de atendimento pré-hospitalar às vitimas de acidentes, tentativa e/ou homicídio e tentativa e/ou suicídio, elaboraram-se orientações para as equipes de atendimento pré-hospitalar preservarem vestígios com base na literatura atual.
As orientações básicas para as equipes de atendimento pré-hospitalar preservarem vestígios são:
- Deve-se prestar cuidados de emergência à vítima, porém com preservação dos vestígios e do local. Assim, a equipe deve isolar o local, entrar e sair pelo mesmo local, impedir entrada de pessoas, não caminhar sobre fluidos que estejam no chão, utilizar luva e máscara para manusear a vítima (GOMES, 2014; FRANÇA, 2015);
- Não se deve puncionar veias no dorso da mão, preferencialmente as veias antecubitais ou centrais. Deve-se identificar locais de punção venosa e drenagem com círculos utilizando caneta de tinta permanente (GOMES, 2014);
- Deve-se descrever as características dos ferimentos, identificando, se existirem, os orifícios de entrada e saída. Em caso de dúvidas, deve-se descrever apenas a localização, incluindo tamanho, a presença ou ausência de anéis de abrasão e a presença de fuligem (GOMES, 2014);
- Não se deve colocar a roupa da vítima no chão nem deixá-la no veículo de transporte amarrotada ou colocada em saco plástico. Se não for possível, por falta de tempo, colocar em saco de papel, deve-se colocá-la em cima de papel ou lençol branco para facilitar a secagem (GOMES, 2014);
- Deve-se observar e documentar a localização original dos itens antes de removê-los. Não se deve ligar ou desligar quaisquer luzes ou aparelhos eletrodomésticos (FRANÇA, 2015; GOMES 2014);
- Deve-se ter muita atenção na hora da verificação do óbito (GOMES, 2014);
- Não se deve fumar nem beber no local (GOMES, 2014);
- Não se deve fazer juízo de valor, deve-se registrar, de forma imparcial, os fatos e não tirar conclusões precipitadas (FRANÇA, 2015; GOMES, 2014).