Regulamentação da regulação médica das urgências

 A Portaria GM/MS nº 2.048/02 define que:

Ao médico regulador devem ser oferecidos os meios necessários, tanto de recursos humanos, como de equipamentos, para o bom exercício de sua função, incluída toda a gama de respostas pré-hospitalares previstas nesta Portaria e portas de entrada de urgências com hierarquia resolutiva previamente definida e pactuada, com atribuição formal de responsabilidades (BRASIL, 2002).

A portaria define as atribuições, competências e diretrizes da regulação médica, sendo importante destacar que, além da competência técnica, o médico regulador tem funções gestoras, devendo possuir delegação direta dos gestores municipais e estaduais para acionar meios de assistência, de acordo com seu julgamento:

A competência técnica do médico regulador se sintetiza em sua capacidade de “julgar”, discernindo o grau presumido de urgência e prioridade de cada caso, segundo as informações disponíveis, fazendo ainda o enlace entre os diversos níveis assistenciais do sistema, visando dar a melhor resposta possível para as necessidades dos pacientes (BRASIL, 2002).

[...] Como a atividade do médico regulador envolve o exercício da telemedicina, impõe-se a gravação contínua das comunicações, o correto preenchimento das fichas médicas de regulação, das fichas de atendimento médico e de enfermagem, e o seguimento de protocolos institucionais consensuados e normatizados que definam os passos e as bases para a decisão do regulador (BRASIL, 2002).

[...] Tomar a decisão gestora sobre os meios disponíveis devendo possuir delegação direta dos gestores municipais e estaduais para acionar tais meios, de acordo com seu julgamento (BRASIL, 2002).

[...] Decidir os destinos hospitalares, não aceitando a inexistência de leitos vagos como argumento para não direcionar os pacientes para a melhor hierarquia disponível em termos de serviços de atenção de urgências, ou seja, garantir o atendimento nas urgências, mesmo nas situações em que inexistam leitos vagos para a internação de pacientes (a chamada “vaga zero” para internação). Deverá decidir o destino do paciente baseado na planilha de hierarquias pactuada e disponível para a região e nas informações periodicamente atualizadas sobre as condições de atendimento nos serviços de urgência, exercendo as prerrogativas de sua autoridade para alocar os pacientes dentro do sistema regional, comunicando sua decisão aos médicos assistentes das portas de urgência (BRASIL, 2002).




A gravação dos chamados dá respaldo a todos: solicitante, regulador e receptor, no sentido do registro correto e claro das informações, bem como da manutenção e observância de pactos e posturas éticas no trato dos pacientes acometidos por urgências que, pela gravidade do caso, perdem o direito à escolha e são submetidos a tratamentos cuja autorização a sociedade delegou ao médico. É, por essa, entre outras razões, que tal paciente deve ter garantido seu direito de acesso a um atendimento qualificado e adequado à sua necessidade.

O aumento da violência e a privatização das estradas fizeram surgir no país, no eixo das grandes cidades, inúmeros serviços privados de atendimento pré-hospitalar móvel. Sobre estes também legisla a portaria nº 2.048, ao afirmar que a empresa privada de atendimento pré-hospitalar:

Deve contar, obrigatoriamente, com Centrais de Regulação Médica, médicos reguladores e de intervenção, equipe de enfermagem e assistência técnica farmacêutica. Estas Centrais Reguladoras privadas devem ser submetidas à regulação pública, sempre que suas ações ultrapassarem os limites estritos das instituições particulares não conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive nos casos de medicalização de assistência domiciliar não urgente (BRASIL, 2002).

Para dirimir uma série de conflitos de poder observados na atenção pré-hospitalar móvel entre médicos reguladores e comandos de bombeiros, a portaria nº 2.048 deixa claro ainda que:

[...] Corpos de Bombeiros Militares (incluídas as Corporações de Bombeiros Independentes e as vinculadas às Polícias Militares), Polícias Rodoviárias e outras organizações da área da Segurança Pública deverão seguir os critérios e os fluxos definidos pela regulação médica das urgências do SUS, conforme os termos desta portaria (BRASIL, 2002).

A portaria GM/MS nº 2.657, de 16 de dezembro de 2004, que estabelece as atribuições das centrais de regulação médica de urgências, define as atribuições gerais (BRASIL, 2004a):

Ser instância operacional onde se processa a função reguladora, em casos de urgências clínicas, pediátricas, cirúrgicas, traumáticas, obstétricas e psiquiátricas;

Ser polivalente na utilização dos recursos;

Ser capaz de refletir a relação entre a oferta disponível e as necessidades demandadas;

Subsidiar o planejamento das correções necessárias para adequar a relação acima mencionada, sempre que se observar deficiência de oferta no exercício cotidiano da regulação médica das urgências;

Articular ações harmonizadoras e ordenadoras buscando a resposta mais equitativa possível frente às necessidades expressas e devidamente hierarquizadas;

Estar articulada com os Serviços de Controle, Avaliação, Auditoria e Vigilância em Saúde, permitindo a utilização dos recursos do sistema de forma harmônica, de acordo com uma hierarquia de necessidades;

Nortear-se por pactos estabelecidos entre as instâncias gestoras do Sistema e demais atores envolvidos no processo assistencial;

Facilitar a execução de programas e projetos estratégicos e prioritários de atenção à saúde, formulados junto a instituições parceiras ou com missões semelhantes e aprovados pelo respectivo Comitê Gestor de Atenção às Urgências;

Identificar e divulgar os fatores condicionantes das situações e agravos de urgência atendidos, notificando os diferentes setores envolvidos por intermédio do Comitê Gestor;

Pactuar ações conjuntas com outros atores envolvidos na atenção integral às urgências, como a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária, os Departamentos de Trânsito, as Concessionárias de Rodovias, as Empresas Privadas de Transporte e Atendimento de Urgência, entre outros;

Avaliar permanentemente o desempenho das parcerias com os demais atores e notificar o Comitê Gestor de Urgências, fornecendo elementos para a implementação e otimização das ações conjuntas;

Participar da formulação dos Planos de Saúde, de Atenção Integral às Urgências e de Atenção a Eventos com Múltiplas Vítimas e Desastres, do município ou região de sua área de abrangência, fornecendo dados epidemiológicos, contextualizando os agravos atendidos e identificando os fatores facilitadores e de estrangulamento das ações.

Atribuições específicas (BRASIL, 2004a):

Manter escuta médica permanente e qualificada para este fim, nas 24 horas do dia, todos os dias da semana, pelo número gratuito nacional das urgências médicas: 192;

Identificar necessidades, por meio da utilização de metodologia adequada, e classificar os pedidos de socorro oriundos da população em geral, a partir de seus domicílios ou de vias e lugares públicos;

Identificar, qualificar e classificar os pedidos de socorro oriundos de unidades de saúde, julgar sua pertinência e exercer a telemedicina sempre que necessário. Discernir sobre a urgência, a gravidade e o risco de todas as solicitações;

Hierarquizar necessidades;

Decidir sobre a resposta mais adequada para cada demanda;

Garantir os meios necessários para a operacionalização de todas as respostas necessárias;

Monitorar e orientar o atendimento feito pelas equipes de Suporte Básico e Suporte Avançado de Vida;

Providenciar os recursos auxiliares de diferentes naturezas necessários para complementar a assistência, sempre que necessário;

Notificar as unidades que irão receber pacientes, informando às equipes médicas receptoras  as condições clínicas dos pacientes e possíveis recursos necessários;

Permear o ato médico de regular por um conceito ampliado de urgência, acolhendo a necessidade expressa por cada cidadão, definindo para cada um a melhor resposta, não se limitando apenas a conceitos médicos pré-estabelecidos ou protocolos disponíveis;

Constituir-se em “observatório privilegiado da saúde e do sistema”, com capacidade de monitorar de forma dinâmica, sistematizada, e em tempo real, todo o seu funcionamento;

Respeitar os preceitos constitucionais do País, a legislação do SUS, as leis do exercício profissional médico, o Código de Ética Médica, bem como toda a legislação correlata existente.

 Pausa para o debate

Leia o caso “O cotidiano do SAMU”:

Certa vez, um médico regulador experiente, Doutor Fernando, passou por uma situação de dificuldade, na qual sua experiência e tranquilidade contribuíram para a decisão tomada.

Durante um plantão, a Central de Regulação onde trabalha recebeu um chamado para atendimento de uma paciente psiquiátrica que tentava suicídio. A moça, Virgínia, de 30 anos, era paciente do CAPS de seu bairro, porém havia abandonado o tratamento após término do relacionamento com seu companheiro. Devido à desilusão amorosa, passou por intenso período de sofrimento que culminou com a tentativa de suicídio, pois acreditava ser realmente a melhor decisão. Entretanto, antes de concluir o evento, achou melhor ligar para o ex-namorado, Frederico, para que soubesse o que se passava com ela. O rapaz, então, dirigiu-se até o apartamento de Virgínia, onde a encontrou sentada no parapeito da janela (5º andar) ameaçando pular. Tentou argumentar com a ex-namorada para que desistisse daquele ato e que voltasse para a sala para que pudessem conversar, mas seus esforços foram em vão. Foi, então, que ligou para o SAMU, para que uma equipe fosse até lá para ajudar a moça. Desde o momento em que atendeu a solicitação, Dr. Fernando permaneceu ao telefone conversando com Virgínia...Para evitar uma tragédia, foi necessário que o profissional passasse cerca de duas horas ao telefone conversando com a paciente.

Quais devem ser as condutas do médico regulador numa situação como a descrita nesse caso?

O médico regulador agiu certo em ficar ao telefone com a paciente?

O médico regulador pode, nesse caso, enviar que tipo de socorro?

As unidades do SAMU (USA ou USB) podem chegar à cena de ocorrência?

Acesse aqui para discutir esse caso com os demais participantes do curso.

Última atualização: terça, 20 Nov 2018, 17:40