Política Nacional de Humanização
Avaliação de riscos e vulnerabilidades em situações de urgência e emergência
Como já falamos anteriormente, nas urgências existem protocolos rigorosos e fáceis de executar, desde que o profissional esteja treinado para tal. Na Atenção Básica, os riscos e vulnerabilidades podem ser avaliados desde a hora em que o usuário entra na unidade. Todos os profissionais da Atenção Básica, o que inclui também os funcionários da recepção, que devem estar treinados para identificarem os casos que chamem mais atenção e agilizar o atendimento. São exemplos: uma criança chorando muito, um idoso que esteja muito sonolento, uma mulher grávida que esteja perdendo sangue.
Diversas estratégias podem ser adotadas para melhorar o acesso dos usuários à unidade de saúde. A Classificação de Manchester é geralmente a mais usada. Fundamenta-se em prioridades clínicas, para garantir um atendimento adequado e equânime (BRASIL, 2013c). Foi inicialmente direcionada para serviços de pronto-socorro, mas é possível adotá-la nas Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Saúde da Família de forma singularizada. Por exemplo: se um usuário procura a USF de forma espontânea por achar que precisa de um “exame de rotina” ou para “trocar uma receita vencida”, pode ser encaminhado para o agendamento programado, principalmente se a demanda espontânea estiver sobrecarregada. Entretanto, se o usuário procura a unidade de saúde para agendar consulta para sua esposa, mas, na fila de espera, começa a sentir mal-estar e tontura, deve ser atendido no dia, e orientado em relação à importância do acompanhamento, de acordo com o diagnóstico/situação clínica.
Verifique a seguir um exemplo de como utilizar um modelo de classificação da demanda espontânea na Atenção Básica:
Modelo de classificação da demanda espontânea na Atenção Básica
Classificação | Situações possíveis | Exemplos |
---|---|---|
Atendimento imediato | Alto risco de vida, necessita da intervenção da equipe no mesmo momento, exige a presença do médico. | Parada cardiorrespiratória, dificuldade respiratória grave, convulsão, rebaixamento do nível de consciência, dor severa. |
Atendimento prioritário | Risco de vida moderado, necessita de intervenção breve da equipe. Ofertar, inicialmente, medidas de conforto. Se necessário, manter o usuário em observação. Influencia na ordem dos atendimentos. | Crise asmática leve e moderada, febre sem complicação, gestante com dor abdominal, usuários que necessitam de isolamento, pessoas com ansiedade significativa, infecções orofaciais disseminadas, hemorragias bucais espontâneas ou decorrentes de trauma, suspeita de violência. |
Atendimento no dia | Risco baixo, situação que precisa ser manejada no mesmo dia pela equipe. Requer atendimento/orientações específicas. O manejo poderá ser feito pelo enfermeiro e /ou médico e/ou cirurgião-dentista, dependendo da situação e dos protocolos locais. | Disúria, tosse sem sinais de risco, dor lombar leve, renovação de medicamento de uso contínuo que já terminou, conflito familiar, usuário que não conseguirá acessar o serviço em outro momento. |
Agendamento | Situação não aguda. As condutas podem ser: inclusão em ações programáticas, agendamento de consulta conforme necessidade e em tempo oportuno, orientação específica e/ou sobre as ofertas da unidade de saúde. | Solicitação de exames de rotina. |
Fonte: (BRASIL, 2013b, adaptado).
As ferramentas para avaliação dos riscos e vulnerabilidades ajudam a corrigir as injustiças e tentam realizar um atendimento mais equitativo, observando as situações diferentes com "olhos diferentes". Os trabalhadores que comumente circulam ou permanecem nas áreas de recepção e/ou sala de espera devem ser encorajados a estudar os protocolos e reconhecer as vulnerabilidades e outros sinais de risco (BRASIL, 2013a).
Dica |
Oriente sua equipe a estar sempre alerta, sobretudo nos horários em que a unidade de saúde estiver mais cheia, afim de não perder as oportunidades de identificação de riscos mais evidentes. |
O acesso com equidade deve ser uma preocupação constante no acolhimento à demanda espontânea. A equidade deve ser aplicada como princípio de justiça e baseia-se na premissa de que é preciso tratar diferentemente os desiguais (diferenciação positiva) ou cada um de acordo com a sua necessidade, corrigindo diferenciações injustas e negativas e evitando iatrogenias, devido à não observação das diferentes necessidades.
Vejamos um exemplo simples:
Se à unidade de saúde chega uma pessoa que não sabe falar sua língua e demonstra dor, esta pessoa deve ser reconhecida como um indivíduo que apresenta vulnerabilidades (dor + dificuldade em expressar o que sente).
O ideal é que o momento do acolhimento com classificação de risco e vulnerabilidades seja realizado em ambiente adequado para que a pessoa se sinta valorizada e respeitada, onde a equipe possa dialogar sem expor o usuário.
Os riscos podem ser sociais ou subjetivos e só podem ser descobertos se houver uma escuta, uma oportunidade para que o usuário se coloque, a não ser em situações de grandes vulnerabilidades que não precisam ser faladas e que requeiram intervenção no dia ou agendamento.
Exemplo:
Usuário que faz tratamento para tuberculose chega à unidade de saúde por outro motivo, e você, como profissional, aproveita a oportunidade para resgatá-lo para o tratamento. Esta é uma intervenção pontual e que gera um agendamento para consulta futura.
A classificação de riscos é uma ferramenta a ser utilizada de forma dinâmica. Considere a seguinte situação hipotética:
Exemplo:
Um usuário que chega a uma unidade de saúde com dor aguda, classificada como moderada pela equipe da triagem, com o passar do tempo, pode ter sua dor agravada. Tal usuário deve ser reclassificado como dor intensa, necessitando de atendimento imediato.
As intervenções podem ser imediatas e de agendamento, para o mesmo dia ou para algum programa.
Exemplo:
Para usuário adulto com pressão alta, pode ser administrado anti-hipertensivo pelo enfermeiro antes da consulta médica, desde que haja prescrição anterior. A equipe pode agendar a consulta para o mesmo dia e incluí-lo no grupo de hipertensos.
O acolhimento na Atenção Básica, principalmente para situações de urgência e emergência, objetiva identificar as necessidades de saúde dos usuários e compreender que qualquer demanda deve ser amparada, ouvida, problematizada e reconhecida como verdadeira.
É necessário que os profissionais entendam que o usuário também define as suas próprias necessidades, uma vez que é protagonista da própria história. A demanda apresentada pelo usuário deve ser acolhida, escutada, problematizada e, principalmente, deve ser reconhecida como legítima. Um acolhimento mal sucedido pode acarretar retornos repetidos, múltiplas queixas e perda do vínculo.
Por mais que seja difícil a implantação, se a existência do acolhimento for produtora de cuidado e priorizar a inclusão do território, com o tempo, provavelmente, os usuários irão compreender o funcionamento e a importância desse processo, o que ocasionará a melhora dos indicadores, na força da promoção e recuperação da saúde e na prevenção de agravos.