Rede de atenção às urgências

Foi necessária a decisão política do conjunto dos gestores do SUS para estímulo à organização e implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), buscando um pacto cooperativo e solidário entre as instâncias de gestão e governança do sistema para garantir os investimentos e recursos necessários à mudança. 

A integração dos serviços de urgência e emergência em rede deve, necessariamente, determinar um fluxo pactuado pelos serviços. Com a atenção à saúde sendo efetuada no lugar certo e com a qualidade certa, permite-se retirar dos pontos de atenção de maior densidade tecnológica a maioria das pessoas que se apresentam em menor situação de urgência.

A organização das redes de atenção às urgências e emergências faz-se segundo os seguintes critérios:

Utilização de protocolo único de classificação de risco; fluxos de encaminhamento, após a classificação dos riscos, desenhados e pactuados internamente para cada instituição e responsabilizados nominalmente pelos respectivos trabalhadores, com descrição e aceitação dos papéis propostos; discussão do fluxo de encaminhamento de responsabilização coletiva, assinada por todos que se corresponsabilizam pelos serviços dessa rede; pactuação dos fluxos de encaminhamento pós-classificação de risco entre todos os atores dos serviços, de todos os níveis de atenção, compartilhada por uma estrutura reguladora também responsável pelo transporte da pessoa usuária, se necessário, até o destino pactuado; compartilhamento das regras com as estruturas de logística (regulação, SAMU, prontuário eletrônico) que se corresponsabilizam pelos resultados; e informatização dos processos (CORDEIRO JÚNIOR; MAFRA, 2008, p. 101-102).

Na prática, o grande desafio é integrar o componente hospitalar, centro tradicional da assistência e regulação em saúde, com o modelo em redes, no qual ele é apenas mais um ponto de atenção e cuja regulação se faz pela Central de Regulação das Urgências do SAMU 192, o grande observatório de saúde do sistema.

 Para refletir

A mera implantação de SAMU ou UPA, isoladamente, não dá conta da diversidade e especificidades das questões relacionadas à urgência e emergência em nosso país, haja vista a natureza do objeto saúde/doença e a complexa rede de intervenções necessárias para impactar os problemas de saúde.

O conceito estruturante a ser utilizado é que o atendimento aos usuários com quadros agudos deve ser prestado por todas as portas de entrada do SUS, possibilitando a resolução de seus problemas ou transportando-os, responsavelmente, para um serviço de maior complexidade, dentro de um sistema hierarquizado e regulado, conforme institui a Política Nacional de Atenção às Urgências (BRASIL, 2003b), organizando as redes regionais de atenção às urgências enquanto elos de uma rede de manutenção da vida em níveis crescentes de complexidade e responsabilidade.

Nos serviços de urgência, estima-se que cerca de 30% dos atendimentos são por traumas. As principais vítimas da violência urbana são homens, jovens, negros e, em relação à violência doméstica, as principais vítimas são mulheres em todos os ciclos de vida (BRASIL, 2009a, 2010a, c2016).

Além das causas externas, outro problema importante, do ponto de vista epidemiológico, no Brasil, constitui-se nas doenças crônico-degenerativas. Isso em função do processo de envelhecimento da população e da transição epidemiológica expressa pela tripla carga de doenças (persistência das doenças infectocontagiosas e doenças maternas e neonatais evitáveis, crescimento das causas externas e crescimento progressivo das doenças crônicas no perfil de morbimortalidade).

Observa-se um aumento na prevalência e incidência do conjunto das doenças crônicas, em especial aquelas do aparelho circulatório, e, dentro destas, destacando-se o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e o Acidente Vascular Encefálico (AVE). Segundo a OMS, a Doença Arterial Coronariana (DAC) é a principal causa de óbito no mundo inteiro, com maior impacto clínico e financeiro, seguida, em segundo lugar, pela doença cerebrovascular. De acordo com projeções da OMS, essas duas causas continuarão sendo as mais importantes nos próximos 20 anos no mundo, tanto em relação à mortalidade quanto à morbidade (MATHERS; LONCAR, 2006).

Dentro dessa compreensão, a proposta da RUE incorpora diversos componentes para sua constituição, como a promoção e prevenção, a atenção primária em saúde através das suas unidades básicas, o SAMU e seus complexos reguladores, as UPAs e o conjunto de serviços de urgência 24 horas, as portas de entrada hospitalares de urgência, as enfermarias de retaguarda aos atendimentos de urgências (leitos clínicos resolutivos, unidades de cuidado intensivo, leitos crônicos etc.), algumas inovações tecnológicas nas linhas de cuidado prioritárias (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e trauma) e o programa de atenção domiciliar. Todas essas portas devem ter como norte a proposta do acolhimento com classificação do risco, qualidade e resolutividade na atenção.

Esses diversos componentes têm interfaces entre si e são transversais por algumas vertentes consideradas fundamentais para garantir a integração e integralidade da atenção nessa rede, são elas: a promoção e prevenção enquanto eixos que devem atravessar todos os componentes, a qualificação profissional para dar conta da complexidade dos problemas apresentados na rede, bem como a informação e a regulação como eixos estruturantes da RUE. A portaria nº 1.600, de 2011, reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde, bem como estabelece os componentes da Política, que são ampliados e passam a ser (BRASIL, 2011a):

Componentes e interfaces da rede de atenção às urgências 

Fonte: (BRASIL, 2013a, p. 14, adaptado).

Promoção, prevenção e vigilância à saúde

Na perspectiva da integralidade da atenção, um ponto que não deve ser esquecido e que impacta diretamente na crescente demanda de atendimento às urgências é a promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos à saúde (BRASIL, 2009a, 2010a, c2016).

Esse componente deve estar presente em todos os outros, sempre verificando as ações intersetoriais que podem ser realizadas para garantia da promoção da saúde nos pontos da rede e como identificar e intervir prevenindo os diferentes fatores de risco presentes.

Para isso, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde propõe campanhas e ações de prevenção aos acidentes de trânsito e violências, bem como ações intersetoriais e mobilização da sociedade visando à promoção da saúde através dos núcleos criados para tal fim, além da implementação da política de promoção da saúde e os programas de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, com uma série de ações para o enfrentamento dessas doenças nesse componente. Tais estratégias impactam, em médio e longo prazo, na condição de saúde e qualidade de vida dos cidadãos.

Compostos pelo Núcleo de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde, integram a Rede Nacional de Prevenção de Violência e Promoção da Saúde, estando vinculados aos três níveis de gestão e instituições acadêmicas (BRASIL, 2004b) e tendo como principal atribuição articular e estruturar a Rede de Atenção e Proteção Integral às Pessoas em Situação de Violência:

  1. VIVA – Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes. O VIVA possui dois componentes:
    1. Componente I - VIVA Contínuo/SINAN - NET: notificação compulsória de violência doméstica, sexual e/ou outras violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, desde 2006. A partir de 2009, o VIVA Contínuo passou a integrar o Sistema de Informação de Agravo de Notificação (SINAN).
    2. Componente II - VIVA Inquérito: busca estimar prevalências de acidentes de trânsito, agressões, suicídios e outras causas externas, bem como estudar associações com possíveis fatores de risco, através de pesquisa realizada nas unidades de urgência e emergência. Foi realizado nos anos de 2006, 2007, 2009 e 2011.
  2. TRÂNSITO: ações voltadas para a vigilância e prevenção de lesões e mortes provocadas pelo trânsito, a atenção às vítimas e a promoção da saúde e cultura de paz, com objetivo maior de reduzir as lesões e mortes provocadas pelo trânsito.

Sala de estabilização

Local de estabilização de pacientes críticos/graves, de funcionamento 24 horas, em vazios assistenciais, vinculado a uma unidade de saúde, articulado e conectado aos outros níveis de atenção para posterior encaminhamento à rede de atenção à saúde (BRASIL, 2011a, 2011c).

São salas específicas instaladas em unidades/serviços da rede de atenção que ocupam posição estratégica em relação à rede de suporte ao SAMU e/ou à Cadeia de Manutenção da Vida. Configuram-se como pontos de apoio ao atendimento em locais/Municípios onde haja grande extensão entre os pontos de atenção locorregionais (BRASIL, 2011a, 2011c).

Estão instaladas em unidades de menor porte destinadas à interiorização dos cuidados urgentes, sendo aceitável a presença de apenas um médico previamente treinado e habilitado para o atendimento das urgências (BRASIL, 2011a, 2011c). Devem garantir retaguarda médica e de enfermagem nas 24 horas, possibilitando o primeiro atendimento e/ou estabilização a pacientes acometidos por qualquer tipo de urgência (BRASIL, 2011a, 2011c).

Critério para escolha:

  • Vazios assistenciais;
  • Municípios com menos de 50 mil habitantes.

Devem cumprir os seguintes pré-requisitos:

  • Estar em área de cobertura de SAMU Regional;
  • Articular-se com Rede de Urgência para continuidade do cuidado.

Força Nacional de Saúde do SUS (FN SUS)

A Força Nacional de Saúde do SUS objetiva aglutinar esforços para garantir a integralidade na assistência em situações de risco ou emergenciais para populações (BRASIL, 2011a, 2011d):

  1. Catástrofes que envolvem múltiplas vítimas e demais condições de calamidade;
  2. Agravos epidemiológicos de importância nacional;
  3. Desassistência.

Ela foi concebida pelo aumento da incidência de emergências e desastres em saúde com alto índice de morbimortalidade. Uma das funções essenciais da Saúde Pública é reduzir o impacto das emergências e desastres em saúde (OPAS, 2015) através:

  • Do desenvolvimento de políticas, do planejamento e da realização de ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e reabilitação, para reduzir o impacto dos desastres sobre a saúde pública;
  • De um enfoque integral com relação aos danos e à origem de todas ou cada uma das emergências ou desastres possíveis na realidade do país;
  • Da participação de todo o sistema de saúde e a mais ampla colaboração intersetorial e interinstitucional na redução do impacto de emergências ou desastres.

Para tanto, deve desenvolver ações, fortalecer e manter as capacidades de estrutura e recursos, a fim de:

  • Detectar as ocorrências;
  • Repassar imediatamente todas as informações essenciais disponíveis ao nível apropriado de resposta de atenção à saúde;
  • Implementar imediatamente medidas de controle e prevenção.

A FN-SUS foi criada pelo Decreto Presidencial nº. 7.616, de 17/11/2011, que dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN e institui a FN-SUS. Depois, foi regulamentada pela Portaria Ministerial GM/MS nº. 2.952, de 14/11/2011, que define o escopo de ação para prestar assistência em situações de riscos e vulnerabilidades, alagamento e seca, desabamento, enchente, incêndio, epidemias/pandemias, acidentes nucleares, atentados terroristas, eventos com aglomeração, situações especiais de vulnerabilidade e suscetibilidade de populações especiais, como povos indígenas e demais comunidades, e qualquer situação especial em que seja necessária a atuação da Força Nacional do SUS, orientada pela Gestão Federal (BRASIL, 2011d, 2011e, 2011f).

A FN-SUS poderá ser acionada, de acordo com o Decreto e Portaria, nas seguintes situações:

  1. Epidemias que:
    • Apresentem risco de disseminação nacional;
    • Sejam produzidas por agentes infecciosos inesperados;
    • Representem a reintrodução de doença erradicada;
    • Apresentem gravidade elevada; ou
    • Extrapolem a capacidade de resposta da direção estadual do SUS.
  2. Desastres:
    • Evento que se configure como Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública, com reconhecimento do Poder Executivo Federal, e que implique atuação direta na área de Saúde Pública;
    • Evento que supere a capacidade de resposta do nível local.
  3. Desassistência:
    • Evento que, devidamente reconhecido mediante a decretação de situação de emergência ou calamidade pública pelo ente federado afetado, coloque em risco a saúde dos cidadãos por incapacidade de resposta das direções estadual, distrital e municipal do SUS.

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192)

Componente da rede de atenção às urgências que objetiva ordenar o fluxo assistencial e disponibilizar atendimento e transporte adequado, rápido e resolutivo a vítimas acometidas por agravos à saúde de natureza clínica, cirúrgica, gineco-obstétrica, traumática e psiquiátrica, reduzindo a morbimortalidade (BRASIL, 2002). Na RUE, há a proposta e o desafio de ampliar a cobertura para 100% da população e estar regionalizada até o ano de 2018.

Sua missão é o atendimento que procura chegar ao cidadão acometido por uma urgência de natureza clínica, cirúrgica, traumática, obstétrica ou psiquiátrica nos primeiros minutos após o agravo, prestando atendimento adequado no local e transporte a um serviço de saúde hierarquizado e integrado ao SUS, quando necessário (BRASIL, 2003a). Para isso, utiliza veículos terrestres, aéreos e aquáticos, podendo, com sua equipe, garantir o suporte básico ou avançado de vida, de acordo com o risco classificado pelo médico regulador.

Unidades de Pronto-atendimento (UPA) e serviços 24 horas

São unidades que funcionam 24 horas e estão aptas a prestar atendimento resolutivo e qualificado aos pacientes acometidos por quadros agudos ou crônicos agudizados (BRASIL, 2009b, 2011g, 2011h, 2012b).

Têm como missões:

  1. Acolher, intervir em sua condição clínica e contrarreferenciar para a rede de atenção à saúde;
  2. Descentralizar o atendimento de pacientes com quadros agudos de média complexidade;
  3. Garantir resposta nas 24 horas aos usuários do SUS, especialmente à noite e nos finais de semana, quando a rede básica e a Estratégia Saúde da Família não estão ativos, em retaguarda a estas Unidades;
  4. Diminuir a sobrecarga das urgências dos hospitais de maior complexidade;
  5. Ser entreposto de estabilização do paciente crítico para o serviço de atendimento pré-hospitalar móvel;
  6. Articular-se com os serviços de saúde do sistema locorregional, construindo fluxos coerentes e efetivos de referência e contrarreferência;
  7. Ser observatório do sistema e da saúde da população, subsidiando a elaboração do planejamento da atenção integral às urgências, bem como de todo o sistema de saúde.

Hospital

O componente hospitalar da Rede de Atenção às Urgências será constituído por: (BRASIL, 2011a)

  1. Portas Hospitalares de Urgência;
  2. Enfermarias de retaguarda clínicas e de longa permanência;
  3. Leitos de cuidados intensivos;
  4. Reorganização das linhas de cuidados prioritárias.

Para viabilização do monitoramento dessas Unidades, foi criado um Núcleo Interno de Acesso e Qualidade Hospitalar, cujo objetivo deve ser o acompanhamento do processo de acesso, qualidade e gestão da porta de entrada, de forma compartilhada e solidária entre os níveis de gestão (federal, estadual e municipal) e o gestor do estabelecimento hospitalar, para apoio à melhoria e eficiência da gestão.

Atenção domiciliar

Modalidade de atenção à saúde substitutiva ou complementar às já existentes, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada às redes de atenção (BRASIL, 2012a).

Atenção Básica em Saúde

Responsável pelo primeiro cuidado e acolhimento às urgências por meio da implantação da classificação de risco, de forma articulada aos outros pontos de atenção (BRASIL, 2011b). Tem como objetivo ampliar o acesso e a resolutividade do cuidado.

  • Sala de observação: ambiente da Unidade Básica de Saúde (UBS) destinado ao atendimento de pacientes em regime ambulatorial, com necessidade de observação em casos de urgência/emergência de baixa complexidade, no período de funcionamento da unidade, articulado e conectado aos outros serviços da rede de atenção às urgências, para posterior transporte e encaminhamento.
  • Plano de Requalificação das UBSs – adequação da estrutura física e de equipamentos (Sala de Observação).



 Pausa para o debate

Agora, vamos discutir sobre a rede locorregional de atenção às urgências, com base nos indicadores epidemiológicos da região construídos pela coordenação do SAMU 192 de sua área de abrangência. Responda às perguntas a seguir, e, depois, comente as respostas dos demais participantes do curso.

Qual é a área de abrangência do seu SAMU 192?

Quais são os agravos de saúde mais frequentes de sua região?

Na grade de referência pactuada para a abrangência do SAMU 192, quais são as referências para as urgências traumáticas, obstétricas, psiquiátricas e clínicas?

Clique aqui para acessar o fórum.

Última atualização: quarta, 21 Nov 2018, 16:46