Atenção básica e acolhimento da demanda espontânea

A Atenção Básica (AB) se constitui, nas Redes de Atenção à Saúde, como o primeiro nível de atenção e tem um papel de organização da assistência prestada aos usuários, integração entre os diversos serviços prestados pelas redes, promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos, e recuperação da saúde. A AB se diferencia dos outros níveis assistenciais por quatro atributos essenciais (STARFIELD, 2002):

  • por, muitas vezes, ser o primeiro ponto de contato do indivíduo com o sistema de saúde;
  • pela longitudinalidade/continuidade do cuidado;
  • pela integralidade da assistência;
  • pela coordenação do cuidado dentro do sistema de saúde.

As doenças cardiovasculares são as situações de urgências e emergências cardiológicas que mais matam no mundo, e a AB, por representar um componente privilegiado de gestão do cuidado dos usuários, muitas vezes, é vista pela comunidade como um "porto seguro", seja por ser porta de entrada preferencial do SUS, em geral ou por manter um vínculo importante e cumprir papel estratégico nas redes de atenção, servindo como base para a sua organização e para a efetivação da integralidade.

Para isso, é fundamental que a AB tenha alta resolutividade, o que, por sua vez, depende da capacidade clínica e de cuidado de suas equipes - tecnologias leves, e do grau de incorporação de tecnologias duras (diagnósticas e terapêuticas), assim como da articulação da Atenção Básica com outros pontos das redes de saúde (BRASIL, 2016).

 Pausa para a reflexão

Que tipos de agravos cardiológicos são mais comuns na sua comunidade? Como se dá o acolhimento desses pacientes? Você considera a sua equipe preparada para o atendimento dos casos de urgência e emergência cardiológica? 

Segundo as diretrizes do Decreto nº 7508 de 2011, a Atenção Básica é um dos componentes das Redes de Atenção à Saúde (RAS). Esse decreto define ainda como portas de entrada às ações e aos serviços de saúde nas RAS (BRASIL, 2011):

  • a atenção básica;
  • a atenção de urgências e emergências;
  • a atenção psicossocial;
  • e os serviços especiais de acesso aberto.

Para contribuir com a consolidação e funcionamento da lógica de redes, a normativa expressa que a AB deve ser resolutiva, coordenar o cuidado e ordenar as redes (BRASIL, 2011b). Além das atribuições enfatizadas pelos estudiosos e reafirmadas recentemente com a regulamentação da Lei Orgânica nº. 8080/90, como poderíamos apontar a função da Atenção Básica na atenção às urgências? Que atribuições ou desafios a literatura elenca para o papel da atenção básica no atendimento desse tipo de demanda? (BRASIL, 1990).

O acolhimento à demanda espontânea e o atendimento às urgências em uma unidade básica de saúde diferenciam-se do atendimento em uma unidade de pronto-socorro ou pronto-atendimento, pois a Atenção Básica trabalha em equipe, tem conhecimento prévio da população, possui, na maior parte das vezes, registro em prontuário anterior à queixa aguda; além de possibilitar o retorno à mesma equipe de saúde, o acompanhamento do quadro e o estabelecimento de vínculo, o que caracteriza a continuidade do cuidado, e não somente um atendimento pontual (SOARES, 2013).

Atender a demanda espontânea parece trabalho difícil, por isso uma equipe despreparada pode se questionar:

Quem atenderemos primeiro? Quem chegou mais cedo ou quem precisa de urgência? Seu Manuel, que é idoso e mora distante? Marcela, que é gestante? Ou Ângelo, que apresentou um quadro de angina ontem? Se a pessoa estiver chorando muito, ela deve ser ouvida na frente das demais, se não houver espaço adequado no momento?

A equidade deve ser levada a sério no cotidiano de um serviço de saúde, principalmente quando se trata de acolhimento à demanda espontânea. Mas, o que é equidade?

Igualdade é diferente de Equidade

Fonte: (UFPE, 2016)

“A equidade, como um princípio de justiça, baseia-se na premissa de que é preciso tratar diferentemente os desiguais (diferenciação positiva) ou cada um de acordo com a sua necessidade, corrigindo diferenciações injustas e negativas, bem como evitando iatrogenias devido a não observações das diferentes necessidades” (BRASIL, 2013b, p. 16).

Para resolver os impasses mencionados, tem sido cada vez mais comum, em instituições que tratam situações de urgência e emergência, a utilização de protocolos de estratificação de risco.

O atendimento às demandas espontâneas de urgências e emergências cardiológicas na Atenção Básica envolve ações que devem ser realizadas em todos os pontos de atenção à saúde, mas, para que isso seja efetivo, torna-se imprescindível que as equipes estejam alinhadas quanto aos aspectos organizativos da equipe e resolutivos de cuidado, bem como que estejam estabelecidos os processos de trabalho e de condutas específicas para cada tipo de caso (BRASIL, 2013b).

 Saiba mais
Para saber mais sobre acolhimento à demanda espontânea, recomendamos, fortemente, que você leia os Cadernos de Atenção Básica volume 1 e volume 2, relacionados às queixas mais comuns na Atenção Básica (BRASIL, 2013a, 2013b).

No gráfico a seguir você pode verificar quais são as doenças cardiovasculares (DCVs) que mais matam no Brasil. Note que, no período de 1990 a 2015, houve queda da taxa de mortalidade por doença cardiovascular. A queda da taxa padronizada por causa específica foi mais acentuada para a doença cardíaca reumática, cardiopatia isquêmica e doença cerebrovascular, sendo observada também para a doença cardíaca hipertensiva, a cardiomiopatia e a miocardite. A mortalidade por fibrilação e flutter atrial manteve-se estável. Entretanto, constatou-se aumento da mortalidade, padronizada por idade, por aneurisma da aorta — particularmente entre as mulheres, doença vascular periférica e endocardite (BRANT et al., 2017).

Mortalidade cardiovascular total e por causas, padronizada pela idade e estratificada por sexo, no Brasil, em 1990 e 2015
(Clique na imagem para ampliá-la) 
Fonte: (BRANT et al., 2017).

A redução da mortalidade pelas DCVs mais prevalentes ocorreu de forma heterogênea. Foi menor nos estados com pior condição socioeconômica, enquanto destacou-se nas regiões Sul e Sudeste. É importante enfatizar que, em virtude do envelhecimento populacional, o país deve continuar investindo na prevenção, no controle e tratamento dessas doenças (BRANT et al., 2017).

Mortalidade cardiovascular total, entre 1990 e 2015, estratificada por unidade federativa
(Clique na imagem para ampliá-la) 
Fonte: (BRANT et al., 2017).

Nas unidades didáticas seguintes, vamos estudar as principais doenças cardiovasculares que podem demandar assistência imediata na Atenção Básica (seja nas unidades de saúde da família, na atenção domiciliar, na rua ou na comunidade). Você aprenderá a identificá-las e como proceder, seja em equipe ou sozinho.

 Pausa para a reflexão

Antes de darmos continuidade, apresentando as urgências e emergências cardiológicas mais frequentes, reflita como você agiria no caso a seguir.

É sexta-feira, final de tarde. Carla, enfermeira da Unidade de Saúde da Família dos Coqueirais é solicitada, junto com a médica, Rosa, para socorrer Marcelo, morador da comunidade, de 59 anos. O paciente apresenta grande dificuldade para respirar e falar, sudorese intensa e fria, refere "aperto no peito", náuseas, dispneia e cianose. Ao exame físico foi observado estertores pulmonares, estase jugular e baixa saturação de O2.

Você consegue identificar de qual agravo estamos falando? E como se daria o atendimento com classificação de risco/vulnerabilidade dos pacientes que procuram atendimento devido à queixa de dispneia

Última atualização: quinta, 4 Fev 2021, 09:52