Avaliação de riscos e vulnerabilidades

A avaliação de riscos e vulnerabilidades traz o acolhimento como dispositivo técnico-assistencial que permite a reflexão e a mudança dos modos de operar a assistência, pois questiona as relações clínicas no trabalho em saúde, os modelos de atenção e gestão, e as relações de acesso aos serviços. Na avaliação de riscos e de vulnerabilidades, não podem ser desconsideradas as percepções do usuário (e de sua rede social) acerca do seu processo de adoecimento.

Avaliar os riscos e as vulnerabilidades implica estar atento tanto ao grau de sofrimento físico quanto psíquico, pois, muitas vezes o usuário que chega andando, sem sinais visíveis de problemas físicos, mas muito angustiado, pode estar mais necessitado de atendimento e com maior grau de risco e vulnerabilidade do que outros pacientes aparentemente mais necessitados. Independentemente do usuário parecer bem fisicamente, ele pode estar triste, estressado, deprimido, logo, pode estar mais necessitado de atendimento com maior grau de risco e vulnerabilidade (BRASIL, 2004b).

De acordo com os Cadernos de Atenção Básica - Acolhimento à demanda espontânea, volume I: “Para acolher a demanda espontânea com equidade e qualidade, não basta distribuir senhas em número limitado (fazendo com que os usuários formem filas na madrugada), nem é possível (nem necessário) encaminhar todas as pessoas ao médico (o acolhimento não deve se restringir a uma triagem para atendimento médico)” (BRASIL, 2013a, p. 22).

É necessário que o conceito de acolhimento não se restrinja aos problemas da recepção da demanda. Ele deve fazer parte do processo de produção de saúde, em todos os momentos do processo de trabalho, permitindo a sua apreensão pelos que fazem parte da equipe, envolvendo clínica, gestão, ambiência e valorização do trabalho em saúde (BRASIL, 2009b).

A avaliação de risco busca:

  • acolher e identificar os usuários que necessitam de tratamento imediato;
  • basear o atendimento no potencial de risco e sofrimento do usuário;
  • deixar para trás o atendimento por ordem de chegada e organizar o fluxo de atendimento conforme as necessidades apresentadas pelo usuário.

Deve-se organizar o atendimento dos usuários de acordo com as prioridades clínicas de cada um, considerando suas peculiaridades e vulnerabilidades.

Isso evitará, por exemplo, que um usuário que chegue com dor no peito (risco de infarto) tenha o seu risco agravado pelo tempo de espera. Se o atendimento for realizado de forma criteriosa, com classificação do seu risco, a conduta a ser tomada pode ser definida em menor período de tempo, seja uma medicação, seja uma transferência para outra unidade, minimizando riscos e complicações.

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Vejamos, então, como deveria ser o atendimento a um usuário com dor torácica na unidade básica de saúde em que o sistema de classificação de risco/vulnerabilidade está implantado corretamente. Observe os critérios para atendimento prioritário (BRASIL, 2013b):

Voltando ao caso do André, apresentado anteriormente, observe o algoritmo, acima. Ele demonstra como deveria ser o fluxo para o atendimento com classificação de risco/vulnerabilidade no caso de um usuário com quadro de dor abdominal, por meio de demanda espontânea na unidade de saúde, sugerido pelo Ministério da Saúde.

Nessa proposta, o objetivo é a redução de filas e o tempo de espera, com ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo, baseados em critérios de risco. Para a viabilização dos princípios e resultados esperados com o HumanizaSUS, a Política Nacional de Humanização opera com dispositivos, entre eles o acolhimento com classificação de risco (BRASIL, 2013c).

As equipes de saúde da Atenção Básica precisam estar abertas para perceber as peculiaridades que cada situação apresenta. Para isso, necessitam ser capacitadas para:

  • melhorar o processo de trabalho;
  • conhecer os recursos existentes e tecnologias (leves, leves-duras e duras);

  • estarem dispostas à atualização (protocolos de classificação e manejo clínico);

  • fazer bom uso dos recursos (materiais e equipamentos), sejam nas unidades ou dentro da rede de serviços de saúde.

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O cuidado é uma associação de decisões que a equipe de saúde tem que tomar, que tem relação com o uso de tecnologias, para que, por meio da articulação de profissionais e ambientes em um determinado tempo e espaço, obtenha-se o atendimento mais adequado possível às necessidades de cada usuário (GRABOIS, 2009). De acordo com Merhy (1997), as tecnologias podem ser classificadas como leves, leves-duras e duras.

Fonte: (COELHO; JORGE, 2009;GRABOIS, 2009).

O vínculo como tecnologia leve das relações na Atenção resulta numa melhor interação, geradora de vínculos entre os trabalhadores da saúde e os usuários, sendo primordial o mecanismo tecnológico para o melhor desempenho do trabalho (COELHO; JORGE, 2009).

Se a população participar da definição dos propósitos dos serviços implantados na comunidade da qual faz parte, com certeza, ela será a primeira a ajudar na definição do que é necessário para a montagem do serviço e a compartilhar do funcionamento da unidade, não criando problemas na hora que o serviço informar que algum tipo de conduta não pode ser resolvido ali. Se a população se julga coparticipante, ela vai contribuir.

O acolhimento com classificação de risco da demanda espontânea é uma forma também de acolher os usuários que não fazem parte dos programas tradicionais (como diabetes, hipertensos), funcionando, dessa forma, como mecanismo de ampliação do acesso (BRASIL, 2013a).

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No caderno "Acolhimento à demanda espontânea na Atenção Básica - Volume I", do Ministério da Saúde, podem ser consultados alguns exemplos interessantes de acolhimento (BRASIL, 2013a). Para ter acesso, clique aqui.

Vamos dar, aqui, outros exemplos que ilustram bem situações similares às que acontecem nos serviços no cotidiano das unidades de saúde.

Usuária chega à unidade de saúde queixando-se que seu filho encontra-se com febre e que perto da sua casa há muito mosquito.


A recepcionista da unidade de saúde diz que ela e seu filho não poderão ser atendidos porque não há mais vagas e que a criança tem que retornar no fim do dia ou esperar os usuários agendados terminarem de ser atendidos, o que deixa a usuária aborrecida.

Esse tipo de conduta denota a falta de preparo com o acolhimento dado à usuária. Não importa se a mesma tem ou não agenda para aquele dia, ela precisa ser acolhida e perceber que sua queixa tem importância. Mesmo que demore o atendimento, ela vai se sentir segura, e, com certeza, entenderá se tiver que esperar para depois dos usuários agendados.


O usuário chega à unidade de saúde com cheiro alcóolico e diz ter uma mancha na perna há muito tempo e que não sente nada no local.

Quando atendido pelo enfermeiro, o mesmo diz que ali não há serviço de dermatologia e dispensa o usuário referindo que ele não tem nada, só bebeu demais.

Mesmo diante de uma situação como essa, precisamos lembrar que, além da queixa principal do usuário, pode haver outras situações que podem ser descobertas com uma conversa. Uma atenção mais acolhedora, sem o único e exclusivo objetivo de resolução do problema pontualmente, pode ser uma oportunidade de dar a chance de aquela pessoa ter uma atenção integral, de que tanto falamos.

É de fundamental importância que o serviço de Atenção Básica acolha a escuta do usuário, discuta com o restante da equipe o problema, leve-o para a gestão ter conhecimento, problematize, só assim as soluções podem ser efetivas, sempre colocando o usuário como o centro da questão, e não o próprio serviço ou as dificuldades.

Para a implantação do acolhimento, são necessárias mudanças na forma de agir de cada um, pois o acolhimento, como dito antes, não acontece apenas na recepção, mas no decorrer do processo do cuidado (BRASIL, 2013b).

Deve-se reorganizar o pensamento, o conjunto de ofertas a ser apresentado à população a partir das suas necessidades, que devem ser discutidas com a própria população. Tão importante quanto é definir a função de cada membro da equipe no processo de implantação, pois todos têm que participar e saber o que está ocorrendo.

Não adianta apenas o enfermeiro e as pessoas da recepção saberem o que está ocorrendo. É necessário que o médico, a gestão, os vigilantes, os motoristas, o assistente social, enfim, todos saibam o que está ocorrendo. Assim, será mais fácil colaborar, saber o que fazer e combinar com toda a equipe o fluxo a ser seguido, uma vez que todos fazem parte do mesmo processo (BRASIL, 2013b).

É necessário, também, realizar escuta de forma ampliada. Diferentemente do que ocorre nos serviços de urgência, que os tempos devem ser rigorosamente respeitados, na Atenção Básica, é necessária uma escuta de forma ampliada, reconhecendo os riscos e vulnerabilidades para o acionamento de intervenções (BRASIL, 2013b).

Última atualização: terça, 29 Jan 2019, 10:42